Alga invasora está a apoderar-se das águas dos Açores. “Isto é assustador”
Nativa da Ásia, a espécie Rugulopteryx okamurae está, desde 2019, a pôr em risco a biodiversidade dos ecossistemas marinhos do arquipélago dos Açores. O cenário é preocupante e não deverá melhorar tão cedo.
Uma macroalga castanha, da espécie Rugulopteryx okamurae, está a comprometer a biodiversidade dos ecossistemas marinhos dos Açores, onde foi detectada pela primeira vez no início de 2019. Nativa da Ásia, trata-se de uma alga invasora que consegue crescer exponencialmente e é altamente competitiva, no sentido em que produz substâncias que perturbam o crescimento dos seres que contra ela competem pela ocupação do espaço. Apenas precisou de qualquer coisa como um ano para, em determinadas regiões da ilha de São Miguel, se tornar a espécie mais abundante, cobrindo o fundo marinho rochoso quase na totalidade. “Isto é assustador. Nunca vi uma coisa assim”, diz ao PÚBLICO o investigador João Faria, que tem monitorizado a expansão da Rugulopteryx okamurae.
As acumulações desta espécie na orla costeira e nas zonas balneares poderão vir a afectar bastante o turismo. A alga, cuja presença está a dar uma cor turva à água, produz um cheiro desagradável que pode afastar as pessoas das praias.
O sector da pesca também poderá vir a sofrer muito. Capaz de se clonar muito eficazmente, a Rugulopteryx okamurae está a causar o deslocamento físico de espécies nativas. “Já há pescadores descontentes, que dizem que já não há polvos no mar e que a alga está a estragar algum material de pesca”, relata João Faria, membro do pólo açoriano do Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos (Cibio-Açores).
O investigador tem monitorizado a expansão da espécie sobretudo em São Miguel, onde o problema é de uma dimensão considerável — “uma pessoa mergulha em certos locais na costa Sul de São Miguel e não vê no mar nenhuma espécie a não ser esta alga”, assinala. Mas a Rugulopteryx okamurae também já foi avistada nas ilhas do Faial e do Pico, entre outras.
E o problema não diz respeito só aos Açores. No Algarve, a espécie também está a espalhar-se. E pensa-se que a chegada à Madeira tenha ocorrido muito recentemente. Se olharmos para a Península Ibérica, verificamos que na costa da Andaluzia, em Espanha, a ameaça parece ser tão severa como em São Miguel.
Como é que isto aconteceu? E como se trava a expansão desta espécie invasora? Neste momento, há mais perguntas do que respostas.
A chegada ao Mediterrâneo deu-se em 2002
Comecemos, então, pelo que se sabe. João Faria esclarece que foi já em 2002 que esta alga foi detectada pela primeira vez na zona do Mediterrâneo — mais concretamente, nas águas da lagoa de Thau, em França. Mas ela não manifestou uma acção invasora nesse território; coabitava com as espécies nativas da região sem pôr em causa o seu desenvolvimento.
Em 2015, o cenário mudou de figura. A Rugulopteryx okamurae foi identificada na zona do estreito de Gibraltar, onde começou a revelar um “comportamento altamente invasor”. Cada espécime começou a gerar clones, que ocuparam o espaço outrora destinado às espécies nativas. “Por que é que isto aconteceu? É o que estamos a tentar perceber”, diz João Faria. “Como é que esta alga é tão singela no seu lugar nativo e, depois, ganha esta capacidade de reprodução exponencial?”, interroga-se ainda o biólogo.
A explicação pode, por um lado, estar relacionada com “questões intrínsecas da espécie”. Isto é, ela pode ter passado de inofensiva a perigosa devido à ocorrência de determinadas “alterações genéticas ou moleculares”. Por outro lado, isto pode ter sido desencadeado por “questões ambientais”. A alga pode ter encontrado nas águas do estreito de Gibraltar as condições de temperatura e salinidade ideais para si, multiplicando-se e ocupando o território de forma intrusiva. Também pode ter encontrado um “ecossistema já fragilizado, sujeito a outras invasões biológicas”.
João Faria ainda não sabe ao certo como é que uma alga originária do oceano Pacífico se instalou na Península Ibérica, mas deu uma possível explicação em Julho do ano passado, num artigo científico sobre a expansão da Rugulopteryx okamurae nos Açores. “O intenso tráfego marítimo ajuda a espécie a viajar de um lado para o outro, já que ela consegue fixar-se no casco das embarcações ou nas redes dos pescadores”, escreveu então. No mesmo artigo, assinalou que “o meio de dispersão mais provável será através das águas de lastro dos navios, que são despejadas à chegada aos portos”.
“A zona de Gibraltar tem um porto muito importante. E, no que diz respeito aos Açores, foi precisamente junto ao porto de Ponta Delgada que encontrámos a espécie”, conta o investigador ao PÚBLICO, explicando o motivo pelo qual é de se achar que as questões do tráfego marítimo e das águas de lastro sejam relevantes.
Boas e (sobretudo) más notícias
Com a Rugulopteryx okamurae, a reprodução pode ser tanto sexuada como assexuada. “O que estamos a observar é que a espécie tem usado a reprodução assexuada para se dispersar”, esclarece João Faria. “Ela está a produzir milhares e milhares de clones, que têm todos o mesmo material genético”, acrescenta o investigador, dizendo que isto tem o seu lado mau e o seu lado bom. O lado mau é óbvio: tendo esta capacidade de multiplicação, a alga está a invadir uma porção de território muito significativa. O lado bom: a clonagem “joga contra a espécie”.
A diversidade em termos de material genético “é fundamental em casos de adaptações a alterações climáticas”, diz João Faria. Se, no futuro, ocorrer uma alteração climática que de alguma forma vá “contra o genótipo” dos clones, nenhum deles resistirá.
Estas são as boas notícias. Mas prevalecem as notícias que são menos animadoras, afirma o investigador do Cibio-Açores. Por um lado, ainda não se conhecem herbívoros que sejam predadores da Rugulopteryx okamurae. “A existirem, a alga cresce tão rapidamente que nem sequer estamos a dar por eles.”
Por outro lado, a decomposição da alga invasora “é um processo que consome oxigénio, o que afecta outras algas e comunidades de peixes”, pode ler-se no já mencionado artigo científico de Julho do ano passado.
“O fundo marinho está a tornar-se um habitat homogéneo. É só esta alga. É mesmo assustador”, observa João Faria, reforçando que a Rugulopteryx okamurae está a empobrecer a cadeia alimentar marinha. “Todos os peixes que se alimentavam de algas que já não existem estão a sofrer com isto.”
O que é que se faz agora? As algas podem ser removidas manualmente? Isso “não vai dar em nada”, opina o investigador. “No meu quintal, tenho ervas daninhas que não consigo tirar. Imagine-se agora arrancar algas do fundo do oceano. O fundo [marinho rochoso] está totalmente cheio, não consigo imaginar que a remoção manual das algas funcione”, diz, salientando ainda que é até possível que esse método seja contraproducente. “Quando se cria uma ferida no ramo da alga, crescem mais plantas na zona atacada”, alerta.
Na óptica de João Faria, resta “aprender a lição” e “identificar os vectores de propagação” da espécie invasora. “Têm de ser aplicadas as regras europeias que foram criadas justamente para evitar que as espécies se propaguem através de embarcações marítimas”, frisa o investigador, que, de resto, não vê o futuro com bons olhos. Isto porque, afirma, “não tem sido observado qualquer declínio” no que diz respeito à expansão da Rugulopteryx okamurae. “Pelo contrário, o cenário tem sido de expansão. A alga até já está na costa Sul de França. Não quero ser negativista, mas isto não está nada bom.”
De acordo com João Faria, o Cibio-Açores tem neste momento “projectos submetidos para financiar o estudo desta alga”. Até agora, diz, têm faltado os fundos necessários, pelo que o centro de investigação tem meramente monitorizado a expansão da espécie, que não está incluída na lista de espécies exóticas que suscitam preocupação na União Europeia.