A rapariga que sempre soube o que quis
Gostava de apelar a um mundo onde se pergunta mais o que gostas de fazer em vez do que queres ser. Um mundo onde não existe estigma em reajustar a nossa rota sem necessidade de a definir e onde mudar de profissão não é sinónimo de desistir, mas de perseverança em encontrar o nosso lugar.
Uma das maiores questões que nos é colocada enquanto crianças é “O que queres ser quando fores grande?”, e claro que ela parte de uma geração que teve de escolher um ofício ainda em tenra idade e se comprometeu com ele pelo resto da vida adulta. Mas quem é que com 15 ou 18 anos realmente sabe o que é a vida e as suas dificuldades para poder escolher, com confiança, o que vai fazer todos os dias até se reformar?
No meu caso, sempre soube que navegava dentro do espectro das artes e, à medida que ia debatendo esta questão com sábios adultos que me falavam de saídas com futuro, salários e cursos idealistas versus realistas, acabei por bloquear a minha resposta em “Arquitecta”. Tinha 13 anos e a partir daí sempre me senti uma sortuda por me poder focar no meu objectivo enquanto os meus colegas ainda se questionavam sobre áreas e disciplinas a escolher. Sem nunca me perder pelo caminho, entrei na Faculdade de Arquitectura, apaixonei-me por todas as cadeiras e grandes mestres desta arte e acabei o curso cheia de confiança e entusiasmo pelo futuro que me aguardava.
Contudo, não foram precisos nem dois anos no mundo do trabalho para começar a questionar a minha escolha… Eu, a pessoa que sempre soube o que queria, que esteve sempre tão segura e estável durante toda a longa jornada até então, sentia agora toda a estrutura e identidade abalada. Os meus pensamentos eram um looping entre “Porque é que ninguém me avisou?” e “O que posso fazer agora?”. E o pior é que não era só eu, mas sim vários colegas arquitectos com quem falava que se questionavam sobre o mesmo, sem ainda terem encontrado a resposta. Porque é que ninguém me avisou que difícil não era encontrar trabalho, mas sim encontrar trabalho pago? Porque é que não me avisaram que as carreiras ficam estagnadas, congeladas, sem possibilidades de poupar ou de sonhar com o futuro? Que o trabalho tem mais de burocrático e mecânico do que criativo na maior parte dos dias?
E o que posso fazer agora, com todo o meu conhecimento, depois de tudo o que estudei e aprendi? Pensei que a resposta estava fora de Portugal, e por isso aventurei-me por terras belgas durante dois anos. Procurava respostas, procurava o que eu sabia que queria mas ainda não tinha encontrado. Estaria eu a sonhar demais? Seriam as minhas expectativas assim tão irreais? No final, tomei a decisão que já me atormentava há um tempo – deixar a arquitectura.
Hoje, encontro-me em Madrid a escrever este texto, onde passo os meus dias a trabalhar como UX designer. Descobri que quando entrei na faculdade em 2012, esta área ainda era desconhecida na maior parte da Europa e cursos para tal eram praticamente inexistentes. Porque é que pressionamos então crianças a desenvolver o seu mito pessoal do que querem ser quando forem grandes, se na realidade a maior parte dos trabalhos do futuro ainda não foram criados? Esta semana, o meu pai – professor – contou-me que usou o meu exemplo na sala de aula, como a rapariga que sabia o que queria e mesmo assim mudou de área. Gostaria de esclarecer que eu sempre soube o que queria – um trabalho criativo, estimulante e multidisciplinar –, só que, como me forcei a encaixá-lo numa profissão, fiquei demasiado tempo a olhar para dentro dessa caixa em vez de observar o que se passava à volta. Por saber o que queria, não me conformei e continuei a procurar.
Acredito que todos sabemos o que queremos, o que mexe connosco, o que nos faz acordar pela manhã, o que nos rasga um sorriso na cara e o que nos faz sentir que temos um propósito. Porém, também sei que muitos ainda vivem dentro dessas caixas onde nos obrigaram a entrar quando tínhamos 18 anos e era hora de escolher um curso, de definir uma vida. Gostava de apelar a um mundo onde se pergunta mais o que gostas de fazer em vez do que queres ser. Um mundo onde não existe estigma em reajustar a nossa rota sem necessidade de a definir e onde mudar de profissão não é sinónimo de desistir, mas de perseverança em encontrar o nosso lugar.