Kaliningrado torna-se na nova arena de confronto entre a UE e a Rússia

Moscovo exigiu o levantamento da proibição de transporte de bens abrangidos pelas sanções europeias e avisou para futuras retaliações.

Foto
Comboios com transporte de bens abrangidos pelas sanções europeias não entram em Kaliningrado VALDA KALNINA / EPA

A Rússia ameaçou a Lituânia para as consequências do encerramento das fronteiras ferroviárias com o exclave de Kaliningrado para o transporte de alguns produtos, que qualificou como acto “hostil”. No entanto, o Governo de Vilnius diz estar apenas a dar cumprimento às sanções económicas impostas pela União Europeia já em vigor.

O confronto latente entre a UE e a Rússia, agudizado pela invasão da Ucrânia, ganhou uma nova frente nos últimos dias. O Governo lituano passou a proibir desde o início da semana a passagem de comboios com algumas mercadorias provenientes de Kaliningrado, o exclave russo na região báltica cuja única ligação terrestre ao restante território da Federação Russa é através da Lituânia, Estado-membro da UE e da NATO e um dos principais apoiantes da Ucrânia, e da Bielorrússia, aliada de Moscovo.

Entre os produtos cuja passagem está vedada estão o carvão, aço, vários tipos de materiais de construção e tecnologia de ponta. De acordo com o governador da região de Kaliningrado, Anton Alikhanov, as restrições aplicam-se a cerca de metade dos bens que chegam ao exclave de outras partes da Rússia.

O Kremlin reagiu em fúria à medida e convocou de imediato o embaixador da UE em Moscovo para prestar esclarecimentos. O Ministério dos Negócios Estrangeiros russo disse que o embaixador Markus Ederer foi informado da “inadmissibilidade destas acções” e foi avisado de que “irá haver retaliações” caso a proibição não venha a ser levantada.

No território com quase um milhão de habitantes, instalou-se um clima de pânico por causa do receio de escassez de bens. Nas redes sociais circularam vídeos de pessoas em supermercados de Kaliningrado a encherem carrinhos de compras, segundo o jornal Moscow Times. No entanto, a situação acalmou-se, de acordo com pessoas citadas pelo mesmo jornal.

PÚBLICO -
Aumentar

O Kremlin enviou a Kaliningrado esta terça-feira o secretário do Conselho de Segurança, Nikolai Patrushev, uma importante figura do círculo mais próximo de Vladimir Putin, para tomar parte numa reunião convocada de emergência. “A Rússia irá certamente responder a estas acções hostis”, disse Patrushev, citado pela agência RIA, acrescentando que a resposta russa terá “um impacto negativo grave junto da população da Lituânia”.

Moscovo acusa as autoridades lituanas de estarem a violar os acordos estabelecidos em 2002 que visavam resolver várias questões fronteiriças perante a entrada da Lituânia na UE e no espaço Schengen. A partir de 2004, Kaliningrado passou a ser uma região russa totalmente rodeada por Estados-membros da UE (Lituânia e Polónia) e, por isso, foi necessário criar formas de permitir a circulação terrestre de bens e pessoas entre o exclave e o resto do território russo, respeitando em simultâneo as regras de circulação de Schengen.

A Lituânia garante que as restrições impostas apenas incidem sobre bens que já eram alvo de sanções europeias e, por isso, não se trata de um bloqueio total. “É irónico ouvir a retórica sobre alegadas violações de tratados internacionais de um país que violou provavelmente todos os tratados internacionais em vigor”, afirmou a primeira-ministra lituana, Ingrida Simonyte.

Para fazer chegar a Kaliningrado os produtos na lista de sanções, a Rússia terá de os transportar por via marítima ou aérea, mas essas alternativas vão complicar o fornecimento do exclave. “Pode haver atrasos e falta de produtos, pelo menos no curto prazo até que as novas cadeias logísticas estejam totalmente operacionais”, disse ao Moscow Times o especialista do Centro de Estudos Europeus de Vilnius, Dionis Cenusa.

O exclave de Kaliningrado tem uma enorme importância estratégica para a Rússia. Durante séculos, Königsberg, como era conhecida, pertenceu à Prússia e, posteriormente ao Império Alemão, sendo um importante porto comercial. Em 1945, na sequência da derrota da Alemanha nazi, a União Soviética anexou este território e transformou-o numa enorme zona militar, expulsando a população alemã e repovoando-o com russos.

Com o colapso da União Soviética, Kaliningrado – nome dado por Estaline em homenagem a Mikhail Kalinin, antigo presidente do Soviete Supremo – deixou de ter ligação terrestre ao território russo, ficando entre a Polónia e a recém-independente Lituânia. Dada a sua posição geográfica, o exclave ganhou uma importância estratégica sem paralelo como uma espécie de posto avançado russo na Europa Ocidental, descrito como o “porta-aviões inafundável” da Marinha russa. Para além de ser a sede da frota russa no mar Báltico, há suspeitas de que a Rússia tenha instalado mísseis com capacidade nuclear na região.

Sugerir correcção
Ler 59 comentários