Centro de Reabilitação de Animais Marinhos em Ílhavo já tratou mais de 1600 animais

Em cinco anos, mais da metade das reabilitações foram bem sucedidas. Golfinhos, focas e tartarugas marinhas estão entre os pacientes mais comuns.

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LUSA/LUÍS FORRA

Aves marinhas, tartarugas, golfinhos e focas são alguns dos animais que já passaram pelo Centro de Reabilitação de Animais Marinhos (CRAM), em Ílhavo, que em cinco anos recebeu mais de 1600 animais, principalmente do Centro e Norte do país.

Inaugurado em 2017 pelo presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa, o CRAM pertence à rede nacional de Centros de Recuperação para a Fauna, que tem como objectivo a recolha e tratamento de animais selvagens visando, sempre que possível, a sua devolução ao meio natural.

Localizado no ECOMARE, laboratório para a inovação e sustentabilidade dos recursos biológicos da Universidade de Aveiro (UA), o CRAM recebe em média cerca de 300 animais por ano e em cinco anos passaram por este espaço 1661 animais, dos quais 1484 eram de espécies estritamente marinhas (aves, répteis e mamíferos).

“Este ano, está a haver menos alertas por parte do público. Estamos a ter menos entradas de aves marinhas do que nos anos anteriores e ainda não conseguimos perceber porque é que isso está a acontecer”, disse à Lusa Catarina Eira, responsável pelo CRAM.

Segundo esta bióloga e investigadora na UA, as aves marinhas são os pacientes do CRAM “mais frequentes e em maior número”. No caso dos mamíferos e répteis, a maioria dos animais encaminhados para aqui são golfinhos, focas juvenis e tartarugas marinhas.

Embora o objectivo do centro seja a reabilitação de animais marinhos, o CRAM pode, excepcionalmente, receber outros animais, actuando como “um pólo de recepção”, para depois enviá-los para um centro mais apropriado. “Por exemplo, já recebemos alguma ave de rapina, mas no dia imediatamente a seguir, tem que ser enviada para um centro adaptado, porque não temos essas valências”, explicou a mesma responsável.

As causas de entrada dos animais marinhos no CRAM são várias: “Os maiores problemas são a captura acidental em redes e anzóis ingeridos. Nas aves, aparecem também outros problemas, como traumas, que não conseguimos determinar a origem, o petroleamento, que felizmente não tem sido frequente, e a intoxicação por biotoxinas”, referiu Catarina Eira.

No dia em que a equipa de reportagem da Lusa visitou o centro, os únicos pacientes eram seis aves marinhas, designadamente uma alma-negra, duas gaivotas-de-asa-escura e três gaivotas-de-patas-amarelas.

O caso que inspirava maiores cuidados era o de uma gaivota com a plumagem oleada. “Vai ser um processo de tratamento longo, porque toda a plumagem foi danificada. O alerta foi dado quando a substância que ela trazia nas penas já estava muito impregnada. Portanto, já estaria assim há vários dias”, observou a bióloga.

O ambiente estava calmo, mas Catarina Eira advertiu que pode haver dias muito “caóticos”, nomeadamente quando há um alerta de mamíferos marinhos, porque tem de se pôr em marcha um protocolo que envolve veículos e muitas pessoas a trabalhar à volta do animal 24 horas por dia. “Nesses casos, temos de chamar pessoas não usuais no dia-a-dia do centro”, explicou.

Segundo a bióloga, a taxa de sucesso nos tratamentos no CRAM anda à volta de 52%, mas este valor depende, muitas vezes, da gravidade dos problemas que os animais apresentam à entrada e do tempo ou da maneira como são transportados para o centro. “Os primeiros momentos desde que o animal é encontrado na praia até chegar ao centro de reabilitação são dos mais importantes. Por exemplo, se um animal é mantido a temperaturas muito elevadas, ou se não é feita uma hidratação muito rapidamente, o animal que poderia até ter hipóteses de sobreviver, se não tiver esses cuidados rapidamente, pode ter um mau prognóstico”, explicou.

Quando se trata de mamíferos e répteis, o resgate dos animais é normalmente efectuado por técnicos do CRAM, mas, no caso das aves marinhas, é necessário contar com a ajuda de outras entidades como sejam a Polícia Marítima, a GNR e a PSP para fazer o transporte destes animais.

“Essa viagem para as nossas instalações é que pode, muitas vezes, ser o que determina o sucesso da reabilitação do animal”, referiu Catarina Eira, adiantando que gostaria de ver melhorado o sistema de compatibilização do transporte entre as várias zonas de jurisdição de cada destacamento.

A bióloga explicou ainda que o tempo de recuperação é diferente para cada espécie animal, sendo que, no caso das aves, esse período “é muito rápido”, podendo demorar apenas alguns dias. Já as tartarugas são o grupo que demora mais tempo a nível de reabilitação, podendo em alguns casos durar mais de um ano. “Tentamos sempre que os animais fiquem o menor tempo possível. Tentamos sempre que as coisas aconteçam muito rapidamente”, concluiu.

Além da recolha de animais feridos, a equipa do CRAM responde também a arrojamentos de mamíferos, aves e tartarugas marinhas mortas na costa portuguesa. “Somos frequentemente chamados para ir recolher golfinhos que aparecem mortos na costa. Este ano, já recolhemos mais de 130 golfinhos mortos e, destes, uma boa parte teve a ver com interacção com pescas”, disse Catarina Eira.

O CRAM conta uma equipa composta por cerca de 12 profissionais, entre veterinários, biólogos e tratadores, que opera 24 horas por dia e intervém em 300 quilómetros da costa portuguesa (região Centro e Norte de Portugal), sendo o equipamento de referência numa situação de catástrofe ambiental.

Esta unidade gerida pela Universidade de Aveiro, em colaboração com a Sociedade Portuguesa da Vida Selvagem, conta com quatro tanques exteriores e um “tanque de musculação”, onde os animais são colocados antes de serem libertados.

O edifício principal está organizado como se fosse um hospital, possuindo uma zona de recepção, a triagem, a enfermaria, uma sala de operações, uma sala de lavagens e outra de secagem e um laboratório de análises.