Macron pede “sobressalto republicano” e oposição acusa-o de evocar a República em vão

Antes de embarcar para a Roménia, o Presidente francês apelou novamente a “uma maioria sólida” nas legislativas de domingo. Os adversários não deixaram sem críticas a sua menção à República.

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Emmanuel Macron dirigiu-se aos franceses a partir da pista do Aeroporto de Orly Reuters/GONZALO FUENTES

Com o avião oficial da República Francesa atrás de si, Emmanuel Macron escolheu a pista do Aeroporto de Orly para proferir as primeiras palavras sobre as legislativas depois de conhecida a votação da primeira volta. E fê-lo com discurso escrito, adoptando o tom sério de mensagem à nação. “Apelo a um sobressalto republicano. Nenhum voto deve faltar à República”, declarou o Presidente francês.

De partida para uma viagem à Roménia e talvez à Ucrânia, o chefe de Estado pediu aos eleitores que lhe dêem “uma maioria sólida” na segunda volta das eleições, no próximo domingo. “Para defender a nossa e a vossa economia, para continuar a responder às grandes ambições do país face às urgências do século: climática, económica e social”, disse Macron, argumentando que essa maioria “é do superior interesse da nação”.

Sem referir o nome dos adversários, Macron afirmou que “nada seria pior que juntar uma crise francesa à crise mundial” e que “nada seria pior do que ficar no imobilismo, nos bloqueios”.

Os resultados oficiais da primeira volta deram uma curta vitória à coligação que apoia o Presidente, a Juntos, e as projecções mostram que Macron pode perder a maioria absoluta na Assembleia Nacional. Uma maioria relativa obrigá-lo-ia a negociar a governação com outros partidos num contexto que se prevê ser de grande crescimento à esquerda e na extrema-direita. A NUPES, coligação de esquerda encabeçada por Jean-Luc Mélenchon, contesta os resultados oficiais divulgados pelo Ministério do Interior, considera que venceu a primeira volta em número de votos e acredita que ainda é possível alcançar a maioria dos deputados no Parlamento.

O Presidente recentemente reeleito tinha já entrado na campanha na semana passada e com palavras semelhantes, apresentando-se como garante da “coerência, competência e confiança” face a “alianças de circunstância”, numa mensagem que tinha Mélenchon como destinatário.

Desta feita foi o cenário escolhido por Macron que serviu de inspiração às críticas do líder da NUPES. “Este sketch à Trump para alertar sobre o inimigo interno é o símbolo de uma época”, escreveu Mélenchon no seu blogue, antes de se dirigir aos seus apoiantes em Toulouse, onde a coligação teve mais votos que a Juntos: “O barco afunda e Macron apanha um avião.”

Barreira à esquerda ou extrema-direita?

Uma das frases de Emmanuel Macron gerou debate aceso ao longo da tarde nas caravanas eleitorais e nas televisões. “Nenhum voto deve faltar à República”, disse o chefe de Estado – e as reacções não tardaram de todos os campos.

Marine Le Pen ironizou. “Sim, entre a República McKinsey [uma empresa de consultoria] de Emmanuel Macron e a República burkini de Jean-Luc Mélenchon, nenhum voto deve faltar à República Francesa que defendem os mais de 200 candidatos da União Nacional”, escreveu a líder deste partido no Twitter.

Face às presidenciais, em que alcançou um resultado sem precedentes, Le Pen tem estado secundarizada nas legislativas com a bipolarização entre Macron e Mélenchon, mas o número de candidatos da União Nacional que passou à segunda volta duplicou em relação a 2017 e as projecções indicam que o seu partido deverá ter entre 20 a 50 deputados (actualmente tem sete).

Desde o domingo passado que decorre uma polémica entre a NUPES e a Juntos sobre como devem votar os eleitores da coligação de Macron nas 61 circunscrições em que na segunda volta se batem apenas candidatos da NUPES e da União Nacional. Várias figuras de topo do Governo e da coligação de Macron têm repetido que “nenhum voto” deve ser dado ao partido de Le Pen, mas outras identificam perigos semelhantes na aliança das esquerdas e a nível local são poucos os que apelam ao voto na NUPES. Até agora, fizeram-no seis ex-candidatos.

Em Lot-et-Garrone, um dos poucos locais do país em que a segunda volta terá três pessoas na corrida, o candidato da coligação de Macron, Alexandre Freschi, que ficou em terceiro atrás dos concorrentes da NUPES e da União Nacional, recusou retirar a sua candidatura para concentrar votos na coligação de Mélenchon. A Juntos decidiu retirar-lhe o apoio e dá-lo ao candidato de esquerda, Christophe Courrègelongue.

“Ninguém compreende nada dos conselhos de voto do partido presidencial”, comentou Marine Le Pen. “Por um lado, apelam a que se faça uma barreira à NUPES; por outro retiram-se para que eles sejam eleitos.”

Na NUPES também caiu mal a frase de Macron. Julien Bayou, líder dos Verdes, que já antes considerara “escandaloso” que a coligação presidencial não apoiasse claramente a coligação de esquerda nos duelos com a União Nacional, viu “uma deriva” nas palavras do chefe de Estado. “Considerar que todos os seus opositores seriam adversários da República é uma deriva autocrática inquietante”, declarou. “Acho muito perigoso que o Presidente diga que se ele for derrotado, a República é derrotada, é algo de muito arrogante.”

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