Associações preocupadas com falta de médicos e enfermeiros nos serviços de obstetrícia

Falta de médicos e enfermeiros nos serviços de obstetrícia está a começar a afectar a mortalidade materna, alerta a Associação Portuguesa pelos Direitos da Mulher na Gravidez e no Parto. A Associação Europeia de Medicina Perinatal considera a situação “muito preocupante”.

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A falta de profissionais nos serviços já está a começar a afectar a mortalidade infantil Nelson Garrido

A falta de médicos e enfermeiros nos serviços de obstetrícia e ginecologia está a começar a afectar a mortalidade materna. O alerta foi feito este sábado pela Associação Portuguesa pelos Direitos da Mulher na Gravidez e no Parto, numa altura em que a Associação Europeia de Medicina Perinatal define a situação da obstetrícia em Portugal como “muito preocupante”.

“A taxa de mortalidade perinatal é um dos maiores indicadores da qualidade dos serviços obstétricos de um país mas, como soubemos há pouco tempo, a taxa de mortalidade materna tem vindo a ter uma curva ascendente nos últimos dez anos”, disse à agência Lusa a presidente da associação, Sara do Vale. “A associação até já tinha alertado para isso há dois anos”, salienta, notando que a falta de profissionais nos serviços “já está a começar a afectar também a mortalidade infantil.”

Aludindo ao caso de uma grávida que perdeu o bebé alegadamente por falta de obstetras no hospital das Caldas da Rainha, Sara do Vale afirmou “ser triste que se tenha tido que chegar a esse ponto para se olhar de frente para um problema urgente”.

“Há mulheres a relatar dificuldades de acesso às ecografias, exames de diagnóstico, em outros hospitais do país e, portanto, parece que se abriu aqui uma comporta de coisas que já se vinham a passar e isto infelizmente é uma consequência”, lamentou a presidente da organização não-governamental.

Sara do Vale acredita que a situação é uma “consequência, que já se anunciava, da sistemática falta de investimento no nosso SNS [Serviço Nacional de Saúde]”.

Situação “muito preocupante"

Este sábado, o presidente da Associação Europeia de Medicina Perinatal (AEMP) também descreveu a situação em Portugal como “muito preocupante”, alertando que põe em causa a qualidade dos cuidados que estão a ser prestados no país.

“É uma situação muito preocupante porque já se sabia há uns tempos que havia este problema nas equipas médicas das urgências de obstetrícia, sobretudo na região de Lisboa e Vale do Tejo, mas também noutras noutros locais”, disse o presidente da AEMP Diogo Ayres de Campos, em declarações à agência Lusa.

Campos deu como exemplo o Hospital de Braga, que vai fechar no domingo, por 24 horas, a urgência de obstetrícia pela impossibilidade completar escalas porque tem “imensas dificuldades em fazer as equipas de urgência”.

“Isto põe em causa a qualidade dos cuidados obstétricos que nós estamos a dar em Portugal e, de facto, falta aqui uma estratégia de fundo para lidar com este problema”, disse, defendendo que é preciso “pensar como se pode manter, atrair os médicos para ficarem no SNS nos e não irem para outras instituições”.

Segundo Diogo Ayres Campos, também é necessária uma “estratégia urgente”, para conseguir que esta situação não se prolongue nos meses de verão “como se está a antecipar que vai acontecer”. “Nas férias vai haver com certeza outros constrangimentos”, disse Campos, considerando que “se estão a correr muitos riscos”.

Estado tem de agir

Para Sara do Vale, “é urgente” o Estado tomar medidas, sublinhando que o número de profissionais de saúde nos serviços “é completamente desadequado”.

“Nenhum serviço público de obstetrícia no país actualmente sobrevive sem horas extraordinárias dos seus médicos e enfermeiros especialistas, essa é a verdade. É preciso conseguir fixar estes profissionais”, defendeu a presidente da Associação Portuguesa pelos Direitos da Mulher na Gravidez e no Parto.

A profissional defende “descongelar as carreiras” como uma possível solução. “Não só em termos de continuidade de cuidados que todas as mulheres têm direito, e que a evidência já veio demonstrar ser o mais seguro para mães e bebés, como também para fidelizar os profissionais e acabar com um burnout que também se está a assistir muito do lado do pessoal de obstetrícia”.

Esta situação gera “muita ansiedade” relativamente ao futuro, frisou Sara do Vale. “Não nos podemos esquecer que a gravidez e o parto é um momento marcante na vida destas famílias e que pode influenciar negativamente a saúde mental, e não só, destas mães, destes bebés e nós temos mesmo que olhar para isso com sensibilidade”.

A associação vai estar em Genebra, nas Nações Unidas, entre domingo e quarta-feira, para falar com a Comissão para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Mulheres. “Já apresentamos o nosso relatório como ONG e já conseguimos em 2016 uma recomendação ao Governo da parte da ONU para partos menos medicalizados e vamos lá relatar todas estas situações que se estão a passar”, avançou Sara do Vale.