Ecoturismo marinho nos Açores é sustentável? Estudo diz que sim
Entre as actividades marítimo-turísticas, a observação dos cetáceos é o que continua a levar mais turistas a visitar o arquipélago açoriano.
Os Açores ainda conseguem manter a sustentabilidade das actividades marítimo-turísticas, mas é preciso aprofundar o estudo dos seus impactos ambientais, considera a bióloga Adriana Ressurreição, do Centro de Ciências do Mar da Universidade do Algarve. “Precisamos de alguns estudos na parte ecológica para percebermos melhor os impactos destas actividades no meio ambiente. Contudo, nos Açores, o facto de actividades como o whale watching, que atraem um maior número de pessoas, estarem definidas por licenças e não poderem crescer, com base na sua capacidade de carga, dá uma garantia de sustentabilidade e de bem-estar ecológico.”
Co-autora de um estudo sobre o impacto económico do ecoturismo marinho nos Açores, Adriana Ressurreição defende que a pegada ecológica de actividades como a observação de cetáceos, o mergulho e a pesca grossa tem particular importância no arquipélago, que deve apostar num crescimento turístico “sustentável e muito bem planeado e gerido”.
“Após a pandemia de covid-19, cada vez mais se vai procurar este tipo de destinos, como os Açores, em que não existe turismo de massa. É muito importante que os Açores mantenham este traço definidor: um destino onde não existe turismo de massa, onde se valoriza o legado cultural e as tradições e onde se valoriza a sua componente natural.”
A investigadora considera, por isso, que a região deve expandir as suas áreas marinhas protegidas, “fundamentais para a sustentabilidade de um sector”, que agora se percebeu que “tem um impacto importante na economia do ecoturismo marinho”.
Publicado em 2022 por oito investigadores de várias universidades (dos Açores, de Faro, de Coimbra e de Edimburgo), incluindo o ex-ministro do Mar, Ricardo Serrão Santos, o estudo avalia o impacto de três das actividades marítimo-turísticas sustentáveis com maior procura no arquipélago: a observação de cetáceos; o mergulho; e a pesca grossa (pesca recreativa de peixes de grande dimensão). Baseando-se num inquérito que envolveu 1740 turistas e 49 operadores marítimo-turísticos (mais de 90% dos operadores activos na região), a equipa calculou os gastos com as actividades praticadas, bem como o alojamento, a alimentação e outros consumos (excepto o preço dos voos).
Resultados do estudo publicado na revista Ocean & Coastal Management: os turistas que praticam observação de cetáceos, mergulho e pesca grossa nos Açores deixam cerca de 210 milhões de euros por ano na economia do arquipélago. Tendo em conta apenas os turistas que se deslocam à região de propósito, estas actividades geram um impacto de 80 milhões de euros por ano, o que corresponde a cerca de 2,2% do produto interno bruto (PIB) regional. Se se tiver em atenção todas as pessoas que fizeram estas actividades nos Açores, pode-se então chegar os 210 milhões de euros. A observação de cetáceos, o mergulho e a pesca grossa “geram entre 400 e 500 empregos directos”, ainda que mais de metade (68%) seja sazonal (entre três e seis meses).
Observar as baleias
A observação de cetáceos “é responsável por cerca de 87% do número total” de ecoturistas marinhos nos Açores e “corresponde a mais de 70% do impacto económico” estudado. “O whale watching é a actividade que atrai mais visitantes à região e é aquela que tem um impacto económico mais significativo. São mais de 58 mil participantes, enquanto os que fazem mergulho são 7764 e os que fazem big game fishing [pesca grossa] são menos de mil”, adianta Adriana Ressurreição.
No entanto, os turistas que fazem mergulho e pesca grossa escolhem os Açores, na sua maioria, especificamente para praticarem estas actividades. “São aqueles que têm maior percentagem de turistas dedicados. Não teriam ido para os Açores se não fosse mesmo para fazer estas actividades. No caso dos mergulhadores, estamos a falar de 78% e nos big game fishers 74%. No whale watching, apenas menos de um terço foi aos Açores pelo propósito”, explica a investigadora.
O nível de especialização necessário nestas duas últimas actividades é maior e os gastos são, normalmente, mais elevados. “Um big game fisher, por estadia de cerca de oito dias, deixa mais de 7000 euros na região”, revela Adriana Ressurreição. “Comparando um visitante normal não diferenciado e um ecoturista marinho, percebemos que as estadias são maiores para o ecoturista marinho e que o seu padrão de despesa, o dinheiro que gasta na região, é bastante mais elevado, às vezes mais do que o dobro.”
Ainda que a observação de cetáceos seja a actividade com maior procura na região, o número de licenças atribuídas aos operadores está limitado pela capacidade de carga. “É importante que se mantenha, para que não cause um impacto muito significativo nos golfinhos e nas baleias”, ressalva a bióloga.
Com a introdução do mergulho com tubarões nos Açores, o mergulho foi “uma das actividades que mais cresceram nos últimos anos” na região e, “provavelmente, nos próximos anos continuará a crescer”, aponta ainda Adriana Ressurreição. “Estas actividades têm uma forte sazonalidade e, como só ocorrem nos meses de Verão, o seu crescimento está balizado pelo número curto de meses em que elas podem ser realizadas”. Para além de acautelar o impacto no ecossistema, o crescimento do ecoturismo marinho deve ter em conta um compromisso com o bem-estar da população, para não afectar “a qualidade de vida da comunidade residente”.
O ecoturismo marinho é um “sector-chave para o crescimento azul”, mas tem de haver um compromisso com a sustentabilidade destas actividades, realça ainda Adriana Ressurreição. “É fundamental que se dêem alguns passos para contribuirmos para a descarbonização do sector do turismo, por exemplo que haja um maior investimento ou que as empresas tenham possibilidade de aceder a financiamento para haver reconversão de barcos, sejam eléctricos ou solares, para que se contribua para diminuir a pegada de carbono, que é bastante acentuada no sector do turismo.”
O Serviço Regional de Estatística dos Açores (SREA) fez inquéritos, em 2006 e 2018, para avaliar a percepção dos residentes ao crescimento do turismo (em geral) na região. “Ainda há uma percepção da população de que o turismo é importante para alavancar a economia regional, que o dinheiro que é gasto pelos turistas fica na região, ajuda no desenvolvimento económico da região e ajuda a promover a sensibilização ambiental.” Ainda assim, Adriana Ressurreição considera que “é importante que se continue a monitorizar qual é a percepção da comunidade residente em relação ao turismo e em relação a estas actividades em particular”.