Merkel defende o seu legado e fala sobre relação política com Putin

Na sua primeira grande entrevista desde que deixou o cargo, a ex-chanceler alemã defendeu a sua política em relação à Rússia e disse que não se culpa pela situação actual na Ucrânia - “Estamos perante uma violação objectiva de todas as leis internacionais.”

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A ex-chanceler alemã Angela Merkel durante a entrevista com Alexander Osang no teatro Berliner Ensemble EPA/FILIP SINGER

A ex-chanceler alemã Angela Merkel defendeu o seu legado e a forma de se relacionar e negociar com Putin na sua primeira grande entrevista desde que abandonou o cargo, realizada com a Deutsche Welle (DW)​. Não se culpa pela invasão da Ucrânia, pela postura tomada quanto à anexação da Crimeia em 2014, pela oposição que realizou quanto à entrada da Ucrânia na NATO em 2008, nem pela construção do gasoduto Nord Stream 2 - tudo decisões que têm vindo a ser contestadas desde o início da invasão russa lançada a 24 de Fevereiro.

“Estamos perante uma violação objectiva de todas as leis internacionais e de tudo o que nos permite viver em paz na Europa. E isto não é uma opção válida”, começou por afirmar a ex-chanceler, sublinhando que nunca se considerou ingénua nas relações políticas, económicas e diplomáticas que manteve com o Presidente da Rússia, Vladimir Putin.

“A diplomacia não é errada só porque, neste caso, não funcionou. A dissuasão militar é a única linguagem que ele [Vladimir Putin] entende”, frisou Merkel, relembrando as “grandes discrepâncias” que sentia com o líder russo, mas que tentava superar. “Putin disse-me que o colapso da União Soviética tinha sido o pior evento do século XX” e, para além disto, que “odiava o modelo ocidental de democracia” e que “queria destruir a União Europeia”.

Anexação da Crimeia e acordos de Minsk

O Acordo Minsk 1, assinado em Setembro de 2014, estabelecia um cessar-fogo entre o exército ucraniano e os separatistas russos e visava restabelecer a paz na Europa, nomeadamente no leste. Ainda assim não foi totalmente respeitados, mas Merkel não se culpa por isso.

“Quando criado, este acordo foi elogiado, aprovado e bem recebido pela União Europeia. Acabou depois, inclusivamente, por ser incorporado a uma resolução do Conselho de Segurança das Nações Unidas, por isso tem um carácter de direito internacional”, afirmou a ex-chanceler. “Na época, trouxe calma e deu à Ucrânia, por exemplo, muito tempo (sete anos) para se desenvolver para aquilo que é hoje”, concluiu.

Merkel admitiu, contudo, que poderia ter realizado uma abordagem com uma resposta mais dura à anexação da Crimeia pela Rússia em 2014, mas que as medidas tomadas foram sérias. Citou, por exemplo, a exclusão da Rússia do Grupo dos Oito (Nações Industriais Líderes) e a estipulação da NATO de que os membros gastassem até 2% do PIB em defesa.

Não me culpo por não ter tentado o suficiente”, respondeu Merkel quando questionada sobre o que podia ter feito para impedir a escalada da tensão com a Rússia. “No final da minha chancelaria, ficou claro que Putin se movia na direcção do conflito. Eu tentei bastante mediar a situação. É com grande tristeza que vejo que não consegui”, concluiu.

Oposição à entrada da Ucrânia na NATO em 2008

Ainda assim, Merkel defendeu a sua oposição quando a Ucrânia e a Geórgia mostraram intenções de entrar na NATO em 2008. Na época, a Aliança Atlântica prometeu que os dois países dela fariam parte em algum momento no futuro, mas a ex-chanceler recusou-se a accionar o “plano de acção de adesão” para deixá-los ingressar no prazo de cinco a dez anos.

"Em primeiro lugar, não era a Ucrânia que conhecemos hoje. Era uma Ucrânia que estava muito, muito dividida politicamente”, disse ela. "Não era uma democracia estável. E quando se aceita um país na NATO - e o Plano de Acção de Adesão é o claro precursor disso - tem de se saber o nível de preparação para se defender este novo membro caso haja um ataque.”

"Em segundo lugar, tinha a certeza de que Putin não iria, simplesmente, deixar isto acontecer. Do seu ponto de vista, sei que esta permissão [de entrada na NATO] seria uma declaração de guerra”, acrescentou, lembrando que o Presidente russo poderia “ter causado enormes danos na Ucrânia.”

Em Abril, cerca de dois meses depois do início da invasão militar russa, o Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, atacou Angela Merkel e o ex-presidente francês Nicolas Sarkozy, sugerindo que a sua decisão de bloquear a entrada da Ucrânia na NATO tinha representado um “erro de cálculo” que acabou por encorajar a Rússia a atacar o seu país pela aparente fragilidade de segurança que demonstrava. Estas suas declarações foram realizadas depois das alegadas violações dos direitos humanos que vieram à tona com o massacre na região de Bucha.

Contudo, Merkel deixa claro que “o Presidente Zelensky está a lutar bravamente contra a corrupção, mas que, na época, a Ucrânia era realmente um país governado por oligarcas”. “Não podíamos simplesmente dizer ‘ok, amanhã vamos levá-los para a NATO'”, concluiu.

Construção do Nord Stream 2

A ex-chanceler tocou ainda no controverso, e actualmente desactivado pelo actual chanceler alemão, Olaf Scholz, gasoduto Nord Stream 2, para criticar a decisão dos Estados Unidos de, na época, terem sancionado todas as entidades que participassem neste projecto. “Basicamente os EUA sancionaram a Alemanha, enquanto aliados, por causa de uma opinião política diferente”, sublinhou.

Depois de toda a polémica em torno do projecto, Merkel afirmou: “Aprendemos que, mesmo sem o Nord Stream 2 em funcionamento, Putin atacou a Ucrânia, quando a sua construção era um objectivo geopolítico para impedir que um país vizinho escolhesse outro modelo - descrito pelo Presidente russo como ‘influência ocidental'”.

A ex-chanceler acrescentou ainda que, dada a proximidade da Rússia com a Europa, era politicamente impossível não negociar entre si. Contudo, o governo de Merkel foi criticado por levar a Alemanha a uma dependência considerável do petróleo e do gás russos. A construção do gasoduto Nord Stream 2, para transportar combustível russo directamente para a Alemanha, foi oficialmente suspensa meses depois de ter sido concluída pelo chanceler alemão, Olaf Scholz, poucos dias antes de as forças russas lançarem o seu ataque em Fevereiro.

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