Carbono Azul é o novo projecto da Gulbenkian para proteger zonas costeiras

As regiões costeiras que absorvem carbono da atmosfera são uma solução natural para as alterações climáticas, mas estão em declínio. O novo projecto da Fundação Calouste Gulbenkian pretende identificar estas zonas, restaurá-las e preservá-las. Ainda não se sabe qual o valor que será investido neste projecto.

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Sapais no Parque Natural da Ria Formosa, uma das zonas que deverá ser visada no projecto Rui Gaudêncio
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Ria de Aveiro, uma das zonas que deverá fazer parte do projecto Adriano Miranda
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A Lagoa de Óbidos é um dos locais identificados que poderá fazer parte do projecto Rui Gaudêncio

O “carbono azul” é aquele que é capturado nos oceanos e em ecossistemas costeiros e é nele que se centra o novo projecto da Fundação Calouste Gulbenkian: chama-se Gulbenkian Carbono Azul e tem como objectivo identificar, proteger e restaurar estes ecossistemas marinhos em Portugal continental. O projecto é tornado público esta quarta-feira, Dia Mundial dos Oceanos, e é feito em parceria com o Centro de Ciências do Mar (CCMar) da Universidade do Algarve e com a organização ambiental ANP/WWF.

Estes ecossistemas azuis “são mais eficientes do que as florestas a capturar carbono”, explicou o investigador Rui Santos, da Universidade do Algarve, durante a apresentação aos jornalistas na terça-feira, mas são muitas vezes negligenciados e têm vindo a desaparecer ao longo dos últimos anos. São zonas onde se sente “um grande impacto” da actividade humana, até porque grande parte da população vive em zonas costeiras. Em Portugal existem três tipos de ecossistemas de carbono azul: as pradarias marinhas, os sapais e as florestas de algas. Segundo o investigador, estas zonas de carbono azul “ocupam apenas 0,5% da área do oceano, mas contribuem com mais de 50% do carbono sequestrado”.

Apesar de serem “terrivelmente importantes” no sequestro de carbono e no combate às alterações climáticas, estão a desaparecer. “Não só deixam de capturar e sequestrar carbono, como tudo o que foi capturado ao longo de centenas ou milhares de anos volta para a atmosfera em forma de CO2 quando são destruídos”, explica Rui Santos, que também é investigador no CCMar. Daí que seja “preciso preservar, mas também restaurar os ecossistemas que foram degradados ao longo dos últimos anos”.

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A Lagoa de Óbidos é um dos locais já identificados com elevado potencial de sequestro de carbono azul Rui Gaudêncio

Identificar e restaurar

Este projecto encontra-se dividido em três partes. Em primeiro lugar, há que perceber quais as regiões que se enquadram na categoria de “ecossistemas de carbono azul”: essa primeira fase, que arranca em Junho e termina em Novembro deste ano, servirá para mapear e caracterizar esses locais. Para já, estão identificadas nove áreas com “elevado potencial” de serem reservatórios de carbono azul: a ria de Aveiro; a Lagoa de Óbidos; o Parque Natural da Ria Formosa; a Reserva Natural de Castro Marim; o estuário do Arade; a ria de Alvor; o estuário do Mira; a Reserva Natural do Estuário do Sado; e a Reserva do Estuário do Tejo. Alguns sapais foram destruídos para ocupação humana, explica Rui Santos, mas muitas dessas zonas estão “abandonadas e degradadas e sem utilização” – são as áreas prioritárias para recuperação.

Nestes meses iniciais, será também desenvolvido um inventário das alterações e medidas de conservação e restauro que devem ser aplicadas em cada uma das áreas identificadas. Aqui inclui-se uma avaliação do estado de cada ecossistema (incluindo se é uma área protegida ou não) e uma quantificação anual do carbono que cada um sequestra da atmosfera. Assim, será possível criar “uma base de conhecimento até agora inexistente em Portugal”, diz a fundação. O objectivo é não só “dar a conhecer e caracterizar os ecossistemas de carbono azul” existentes no país, explicou a directora-adjunta do Programa Gulbenkian Desenvolvimento Sustentável, Filipa Saldanha, mas também “desenhar” os orçamentos para medidas de protecção ou restauro.

Questionada pelo PÚBLICO sobre o valor investido neste projecto, Filipa Saldanha referiu que o “valor total só será apurado no final de 2022”. O valor alocado à Universidade do Algarve e à ANP/WWF também não é divulgado por “motivos de confidencialidade expressa nos contratos assinados”.

Na segunda fase (de Novembro de 2022 a Dezembro de 2023), serão aplicadas as medidas de protecção e restauro e é também lançada a “carteira nacional de carbono azul”, com um primeiro investimento feito pela Fundação Calouste Gulbenkian que servirá para conservar ou restaurar uma destas áreas marinhas. Este investimento – cujo valor em euros será calculado durante a primeira fase – corresponderá àquele necessário para compensar a pegada de carbono não evitável da fundação (que, segundo os dados do seu Relatório e Contas de 2021, corresponde a 2238 de toneladas de dióxido de carbono equivalente).

Filipa Saldanha explica que, por enquanto, não é possível estimar a quantia deste investimento porque o “carbono azul ainda é muito pouco explorado para projectos de compensação, apesar do seu enorme potencial” – mas esse valor será calculado e partilhado até ao final do ano​. E o que será feito nesse projecto de compensação? “É aumentar a capacidade de absorção e retenção de carbono de determinados ecossistemas marinhos e costeiros através de intervenções de protecção e restauro”, conta. O objectivo é que outras empresas possam recorrer a esta carteira para compensar a sua pegada carbónica ou para investir em carbono azul.

Na terceira e última etapa, com início previsto para 2023, está a constituição de um mercado voluntário de carbono azul em Portugal e a tentativa de aumentar os investimentos em projectos nesta área. A iniciativa tem como embaixador o professor e investigador Carlos Duarte, da Universidade de Ciência e Tecnologia Rei Abdullah, na Arábia Saudita.

Como os ecossistemas marinhos e costeiros são do domínio público marítimo, a fundação também colaborará com as entidades públicas responsáveis, explicou Filipa Saldanha na terça-feira. Isto inclui os órgãos que estão sob a alçada do Ministério da Economia e do Mar, como a Direcção-Geral de Política do Mar (DGPM) ou o Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA), e os que estão sob alçada do Ministério do Ambiente e da Acção Climática, como o Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF). O projecto será apresentado ao público no primeiro dia da Conferência dos Oceanos, que acontecerá de 27 de Junho a 1 de Julho em Lisboa.