Portugal circular ou em círculo – um olhar sobre o setor dos resíduos urbanos

Temos de colocar os nossos resíduos em círculos virtuosos, onde possam ser efetivamente valorizados enquanto recurso. Há que pensar circular, agir circular. Esta revolução começa em cada cidadão.

Saberá cada cidadão português qual a quantidade de resíduos que produz por dia? E qual o destino desses resíduos? Segundo o mais recente Relatório do Estado do Ambiente 2020/21, cada português produz em média 1,4kg de resíduos/dia, ou seja, estamos a falar em 14 mil toneladas de resíduos/dia. Trata-se uma montanha de resíduos urbanos gerada diariamente. Todos nós enquanto cidadãos somos produtores de resíduos, e a nossa preocupação até agora tem sido a de fazer (alguma) seleção de resíduos e, depois, de colocá-los nos ecopontos e no lixo indiferenciado. E não queremos saber mais do que se passa a jusante.

As entidades oficiais também não se preocupam muito com a informação sobre o destino final dos resíduos. E o cidadão julga que, se o resíduo desapareceu da vista, é porque desapareceu o problema, pelo menos deixou de ser um problema seu, como que por milagre. Mas o planeta tem-nos mostrado que assim não é, que se trata de um problema de todos, de um problema global.

De facto quanto mais desenvolvido é um país maior é a capitação de resíduos urbanos por habitante/dia. Tal poderá não ser negativo, desde que os resíduos sejam encarados como um recurso que pode e deve ser valorizado. Temos de ter a consciência de que as nossas escolhas enquanto consumidores têm impacto nos resíduos gerados e destino final.

Os números da reciclagem em Portugal são desoladores, com uma taxa de apenas 16,1% (reciclagem e compostagem, RARU -Relatório Anual Resíduos Urbanos, APA, 2021), evidenciando que esta por si só não resolve o problema dos resíduos urbanos. Atualmente, 64% de todos os resíduos urbanos, seja por via direta ou indireta, acabam por ser depositados em aterros, sem qualquer valorização, o que tem exercido forte pressão nos sistemas de gestão de resíduos com o esgotamento da capacidade de deposição nos atuais aterros (PERSU – Plano Estratégico para os Resíduos Urbanos. APA, 2021).

Não podemos continuar a desperdiçar os recursos aplicados num produto/serviço gerando resíduos (economia linear), temos o dever de preservar o mais possível esses mesmos recursos por meio da reciclagem, reutilização, restauração, renovação, redesenho e remanufactura, por forma a gerar menos resíduos e extrair menos recursos (economia circular). Isto é, tem que se extrair mais valor dos recursos e materiais já mobilizados na economia. Tem que se substituir o conceito de “fim de vida” por fluxos circulares de recursos, coordenando os sistemas de produção e consumo em circuitos fechados. Esta é a ambição a que Portugal se propôs no Plano de Ação para a Economia Circular (RCM n.º 190-A/2017). A dificuldade está em como trazer estes conceitos de circularidade para as nossas vidas.

As nossas ações são na maioria das vezes repetitivas, mas sucede que repetimos poucas ações de seleção de resíduos contribuindo para a escassa reciclagem em Portugal, acabando por cair em círculos (repetições) não virtuosos, sendo este o atual panorama do Portugal em círculo. Temos de colocar os nossos resíduos em círculos virtuosos, onde possam ser efetivamente valorizados enquanto recurso. Há que pensar circular, agir circular. Esta revolução começa em cada cidadão.

Revolução não implica fundamentalismos. A revolução começa por pequenas ações de cada cidadão as quais por insignificantes que possam parecer, à escala do país terão impacto. Não temos necessariamente que consumir menos, temos é que consumir de forma sustentável. E isso não implica necessariamente maiores custos, tudo depende de como nos organizamos como sociedade.

Compete ao Estado definir políticas, orientações e metas, e muito tem sido feito nos últimos anos no que respeita a políticas ambientais, mas tem-se descurado ações de educação ambiental, em particular no setor dos resíduos urbanos. É imperioso mostrar que o cidadão é parte do problema mas também parte da solução. Um cidadão informado e conhecedor do problema sente-se motivado a agir.

A educação ambiental não se pode limitar, como até agora, ao ensino básico e secundário. Há que mobilizar todos os jovens universitários, sem exceção, e chegar a todos os adultos ativos e reformados, mostrando de forma objetiva, com uma linguagem simples e clara o legado da nossa pegada ecológica para as gerações futuras, mostrando que existem alternativas que dependem das nossas escolhas enquanto consumidores. Um Portugal educado ambientalmente será definitivamente um Portugal melhor.

No domínio dos resíduos urbanos temos de avançar o quanto antes para a recolha seletiva de resíduos porta-a-porta, havendo um dia específico da semana para a recolha de cada tipologia de resíduos: papel/cartão; plástico; vidro; equipamentos elétricos e eletrónicos, pilhas e lâmpadas; roupas/tecidos; óleos. Os resíduos biológicos por serem um tipo de resíduo mais difícil de acumular e transportar devem ser recolhidos diariamente, devendo existir apoio à compostagem para quem assim o desejar. Outros fluxos de resíduos tais como armários, colchões, tubagens, construção e demolição, devem ser encaminhados para ciclos específicos, devendo existir informação clara ao cidadão por parte dos sistemas de gestão de resíduos.

Foto
Nelson Garrido

No entanto, pode e deve-se ser mais ambicioso. Deve ser imperativo legal a existência em todas as moradias e prédios novos de um local específico para a recolha de resíduos, com fácil acesso à rua, devendo-se promover a eliminação gradual dos contentores de recolha indiferenciada de resíduos espalhados pelas nossas ruas. Sistemas de depósito e retorno nos locais de compra de produtos com a possibilidade de o consumidor reaver dinheiro mediante a entrega do depósito (produto antigo) devem passar a ser a regra e não a exceção, e o valor da taxa municipal de gestão de resíduos deve estar indexado a eficiência de todo o sistema. De facto, esta revolução implica repensar o sistema de gestão de resíduos urbanos, dotando-o de maior eficiência, o que resultará em enormes benefícios, contribuindo decisivamente para o efetivo aumento da taxa de reciclagem e valorização de resíduos (recursos), reduzindo-se drasticamente a necessidade de deposição em aterro.

Não podemos continuar a adiar decisões sobre os resíduos urbanos sob pena de agravar o problema. Temos de dar o passo rumo à circularidade e tudo começa na educação ambiental e na mobilização do cidadão. Temos de agir já para proteger o planeta e para que Portugal cumpra as metas já assumidas. É necessário mobilizar toda a sociedade, Estado, agentes de gestão de resíduos e cidadãos. Ser circular pode ser fácil assim Portugal como um todo o deseje.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico