Empresas, estados e consumidores: uma responsabilidade partilhada

O sistema alimentar é um óptimo exemplo de uma indústria em que o low cost sai caro, se considerarmos os impactos ambientais, as condições de trabalho indignas e as violações de direitos humanos que ocorrem ao longo das cadeias de abastecimento.

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Dani California/Unsplash

Sempre me fez confusão ver tantas pessoas à minha volta desconectadas do mundo em que vivem. Jovens ou não, temáticas como as alterações climáticas e as injustiças sociais não nos podem ser indiferentes. Pelo contrário, devem fazer-se presentes nas nossas decisões do dia-a-dia.

O sistema alimentar é um óptimo exemplo de uma indústria em que o low cost sai caro, se considerarmos os impactos ambientais, as condições de trabalho indignas e as violações de direitos humanos que ocorrem ao longo das cadeias de abastecimento. Como consta do Manifesto Go EAThical elaborado no âmbito da campanha Our Food. Our Future, implementada em Portugal pelo Instituto Marquês de Valle Flôr (IMVF), os produtos chegam-nos ao supermercadoatravés de cadeias de abastecimento que exploram pequenos agricultores e trabalhadores, sobretudo mulheres, ao mesmo tempo que agravam a crise climática. Muitos [destes] trabalhadores são migrantes que ganham a vida em condições precárias".

Enquanto consumidores, não podemos ignorar este facto. Devemos procurar informação que nos permita fazer escolhas conscientes, demonstrando às empresas as nossas preocupações sociais e ambientais, e organizar ou participar em iniciativas que visem chamar a atenção para a necessidade de uma mudança urgente nos modelos de produção. No entanto, isto está longe de ser suficiente: só uma actuação sistémica por parte de todos os actores envolvidos nos possibilitará atingir sistemas de produção verdadeiramente éticos e sustentáveis.

Uma vez que a maior parte dos instrumentos internacionais relativos à conduta empresarial responsável são de cumprimento voluntário, e não obrigatório, os Estados têm um importante papel a desempenhar. Na União Europeia, a tão aguardada Directiva de Governação Sustentável pode abrir caminho para uma mudança de paradigma. No entanto, enquanto esperamos o acordo dos co-legisladores e a transposição da directiva para o direito interno dos Estados Membros, não podemos ficar parados. As empresas desempenham um papel de relevo na Agenda 2030 e, sem uma alteração do seu comportamento actual, não seremos capazes de atingir os Objectivos do Desenvolvimento Sustentável. Nesse sentido, os governos devem adoptar políticas ambiciosas que fomentem a adesão a práticas empresariais responsáveis.

Já as empresas devem pôr de parte os esquemas de certificação pouco exigentes e as iniciativas de greenwashing e responsabilizar-se pelos impactos negativos causados pelas actividades realizadas ao longo das suas cadeias globais de valor. Não lhes é pedido que deixem de adoptar um modelo lucrativo. É-lhes pedido que não o façam à custa das pessoas e do planeta, fixando preços que reflictam preocupações ESG (Ambientais, Sociais e de Governança) e abandonando relações comerciais com fornecedores que não se mostrem dispostos a deixar para trás o modelo do business as usual. Neste processo, é crucial que sejam transparentes e disponibilizem documentos em que descrevam o impacto real das suas actividades em linguagem acessível ao consumidor.

Respeitar o meio ambiente e os trabalhadores nas cadeias globais de valor é uma responsabilidade partilhada entre as empresas, os Estados e os consumidores. Apesar de não recair da mesma forma sobre todos os agentes, os consumidores devem ter em mente que uma mudança nos padrões de consumo motivará certamente uma mudança nos padrões de produção. Como diz Robert Swan, “a maior ameaça ao nosso planeta é a crença de que outra pessoa o salvará”.

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