Uma viagem pelo “caldeirão de culturas” de Lisboa
Integrado na associação Renovar a Mouraria desde 2015, o projeto “Migrantour” procura dar a conhecer os recantos de Lisboa, tão marcantes pela sua multiculturalidade, enquanto promove a inclusão de migrantes.
Lisboa torna-se mais mundo no Largo da Igreja de São Sebastião, onde um grupo de 11 pessoas de oito diferentes países se prepara para um passeio turístico que é também uma forma de desconstruir preconceitos.
Integrado na associação Renovar a Mouraria desde 2015, o projecto “Migrantour” procura dar a conhecer os recantos de Lisboa, tão marcantes pela sua multiculturalidade, enquanto promove a inclusão de migrantes - conta com meia dúzia de guias de diferentes nacionalidades que articulam a história e a cultura portuguesa, sem nunca esquecer as culturas que emergem da capital.
Turistas de Estados Unidos, Bangladesh, Espanha, Nepal, Colômbia e Chile apreciam curiosos os traços característicos da cidade, enquanto são orientados pelas guias de origens japonesa e brasileira. As explicações são feitas em português e a diferença linguística parece não ser suficiente para desencorajar o início da viagem com destino à Mouraria.
“É um dos bairros mais multiculturais da cidade”, garante a responsável pelo projecto, Carla Costa. Foi nesse “caldeirão de culturas com mais de 50 nacionalidades diferentes” que, desde 2008, a Renovar a Mouraria se propôs a actuar, desbravando terreno para desconstruir estigmas não só relacionados com essa multiculturalidade, mas também associados à “toxicodependência e prostituição” de que era alvo a zona.
Aos seus olhos, a diversidade cultural no bairro da Mouraria é um claro sinal de que “Portugal é um país inclusivo”, embora ainda identifique “barreiras, preconceitos e burocracias” por ultrapassar.
Por esse motivo, a equipa caminha para apregoar a mensagem de uma “sociedade mais tolerante e compreensiva”, um dos eixos de trabalho da Renovar a Mouraria e que levou a associação a acolher o Migrantour, projecto europeu inaugurado em Turim, Itália, em 2011, e que já se expandiu para 25 cidades de 10 países europeus.
Às portas da Mouraria, na Praça do Martim Moniz, há tempo para uma pequena viagem ao Oriente. Sandra Suyama, guia japonesa, vai mostrando adereços alusivos ao seu país, como um lenço ou um “maneki neko” (o “gato da sorte” japonês). Desafia o grupo a entrar num mercado asiático e identificar palavras japonesas.
Essa é a sua origem, mas define-se como uma pessoa com uma bagagem cultural acentuada: “No Japão, sou conhecida como a “brasileira”, no Brasil sou a “japonesa” e em Portugal sou a “chinesa"”, brinca.
Reside em Portugal há quatro anos, embora o coração esteja no Brasil, onde viveu praticamente toda a vida. Integrou o Migrantour pela “sede de conhecer novas pessoas” e faz questão de, em cada visita, trazer objectos típicos da sua cultura.
É nas arcadas do centro comercial mais antigo da Mouraria que a visita continua. O grupo repara na palete de cores que cobre o interior do espaço, ao mesmo tempo que o ar é invadido por odores distintos dos produtos dos negócios orientais.
“O mundo não é uma só cor, uma só raça e um só tipo de olhos”, reforça a guia japonesa, enquanto lembra que é preciso “que esse tipo de pensamento voltado para a globalização esteja enraizado no íntimo de cada um”.
É com esta ideia presente que o projecto tem apostado em educar para a diversidade, junto da comunidade estudantil, com visitas agilizadas com grupos que integram desde a escola primária ao ensino superior.
“As escolas são um público muito forte e frequente do Migrantour”, destaca Carla Costa, ao referir que tem sido “um trabalho de continuidade e persistência, mas também um trabalho educativo porque o objectivo não é meramente lúdico”. Acima de tudo, valorizam o aprender “algo uns com os outros”.
Em direcção à Casa da Severa, a alma do fado desperta até os menos familiarizados com a cultura portuguesa. Amália, turista dos Estados Unidos, revela a ambição em aprender a cantar fado para homenagear os avós portugueses. A conexão que sempre sentiu com o país levou-a numa viagem de descoberta e revela estar entusiasmada com a sua primeira “tour” por Lisboa.
Inspirada por todo o ambiente musical, Sandra une o grupo num círculo e pede que entoem versos de uma canção japonesa. “Sintam a música”, pede. Nota a nota, verso a verso, o grupo fala agora a mesma língua e não consegue evitar os sorrisos quando o momento termina.
O cansaço acumulado de duas horas de passeio termina no Largo da Severa, onde são trocadas palavras que resumem o tempo passado em conjunto. “Diversidade”, “aprendizagem”, amor” são as palavras escolhidas, levando Carla Costa a concluir que tudo correu como esperava: “Todos levam mais mundo para casa”, remata.