Geoestratégia e sustentabilidade
Nos últimos dois séculos, a população mundial tem crescido a um ritmo vertiginoso, exigindo-se, cada vez mais, do meio ambiente o acesso e a exploração dos recursos naturais, para sustentar o desenvolvimento e o crescimento económicos das sociedades. Dada a escassez e a distribuição heterogénea desses mesmos recursos, em muitas das regiões mundiais têm ocorrido crises e conflitos armados, tendo por base disputas pelo acesso a fontes naturais, a exemplo da energia (hidrocarbonetos), de minerais estratégicos, nas designadas “terras raras”, e de recursos hídricos.
A (in)sustentabilidade ambiental deve ser vista, por isso, como uma das principais consequências da (in)segurança humana à escala global, sendo a depredação e a exploração intensiva dos recursos naturais duas das suas principais causas. A relação (íntima) que podemos encontrar entre esta tipologia de atividades e as práticas de organizações criminosos que se dedicam ao tráfico de minerais densificam os impactos locais, regionais e internacionais, fomentando um modelo de economia paralela e explorando as populações, que veem nessas práticas um dos únicos meios de subsistência, quando todos os restantes falharam.
A este respeito importa identificar a insegurança a que assistimos nos últimos anos nos golfos da Guiné e de Áden, dois dos locais onde a pirataria mais tem prosperado em termos mundiais. A exploração de recursos piscatórios e a tensão cada vez mais crescente pelo acesso a bens essenciais arrastaram grande parte das populações da Somália a apoiar, ativa e passivamente, os grupos armados e terroristas que têm atuado em toda a região do Corno de África.
A sustentabilidade é, igualmente, gravemente condicionada pela extração ilícita, que põe em causa a segurança do próprio habitat. O Delta do Níger constitui um dos muitos exemplos desta relação entre extração paralela e ilegal e as graves consequências ambientais. Nesta região da Nigéria, a exploração de hidrocarbonetos (petróleo) é, em grande parte, feita por grupos armados, através de refinarias artesanais e clandestinas. O caráter desregulado como estas atividades são realizadas acarreta impactos graves para o ambiente, poluindo as águas e os solos e eliminando a maior parte da fauna e da flora existentes. Também aqui as populações locais ficaram privadas de grande parte dos seus meios de subsistência, tornando-se “reféns” de grupos criminosos e de empresas que, de forma ilícita, promovem essas atividades de extração.
O potencial de conflitualidade pelos recursos está também presente no acesso aos recursos hídricos, sendo o seu controlo um imperativo estratégico que tem funcionado como um estímulo para determinados conflitos. Os efeitos das alterações climáticas e o aumento da população em termos mundiais fizeram aumentar os riscos e as ameaças de conflitos. No Iraque e na Síria, o Estado Islâmico atuou no sentido de tentar controlar algumas fontes de água. Em África, as tensões e os conflitos acontecem pela posse e pelo controlo de recursos hídricos, a exemplo dos que envolvem Angola, Botswana e Namíbia na bacia do rio Okavango. A construção da Grande Barragem do Renascimento Etíope tem gerado grandes tensões entre o Egito e a Etiópia, além do Sudão e do Uganda, atendendo aos impactos que a mesma tem no caudal do Rio Nilo. Para o Egito, o funcionamento desta barragem é considerada uma questão vital, tendo em conta que 90% da sua população depende, direta e indiretamente, deste recurso natural.
Tal como identificado pelo Pacific Institute, as disputas, quase sempre violentas, pela água assumem três vertentes distintas: como raiz dos conflitos, ou seja, a luta pelo controlo da água, sobretudo em situações dominadas pela sua escassez; como arma de conflito, em que os recursos hídricos, ou os próprios sistemas hídricos, são usados como ferramenta no conflito; e, por último, os recursos hídricos ou os sistemas hídricos como vítimas intencionais ou acidentais desses conflitos, através da contaminação.
Para garantir a posse e o controlo dos recursos naturais, os Estados empregam todos os seus instrumentos de poder e as suas capacidades, incluindo as militares, orientando as suas prioridades estratégicas para as regiões onde os mesmos estão mais disponíveis, em quantidade e qualidade, “lutando” assim para serem autossuficientes e se expandirem em termos económicos. Ao assinalarmos os 50 anos da assinatura da Convenção de Estocolmo, estamos não apenas a elevar as questões ambientais, mas igualmente a destacar a sustentabilidade da nossa segurança mundial, profundamente abalada nos últimos tempos.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico