Portugal encontra-se acima da média dos países da União Europeia (UE) no que diz respeito à qualidade das águas balneares costeiras, mas a produção de resíduos urbanos e as emissões de gases com efeito de estufa (GEE) estão a subir mais em território nacional do que em muitos dos restantes Estados-membros. Portugal está também longe do resto da Europa quando o assunto tem que ver com o tratamento de resíduos: os aterros sanitários continuam a receber muito mais lixo do que as centrais de reciclagem.
É, em parte, isto que demonstra uma série de dados numéricos compilados para este domingo, Dia Mundial do Ambiente, pela Pordata, uma base de dados de Portugal contemporâneo desenvolvida pela Fundação Francisco Manuel dos Santos. Esta base de dados reúne valores que permitem fazer um diagnóstico rápido da situação ambiental em Portugal. Os números versam sobre, por exemplo, o consumo e a qualidade da água, a produção e o consumo de energia, a evolução no combate aos incêndios e as emissões de GEE.
Nalguns parâmetros, a avaliação é, aparentemente, positiva. Noutros, revela-se que Portugal permanece abaixo de certas metas. Os especialistas ouvidos pelo PÚBLICO mostram-se especialmente preocupados com os números dos resíduos. Rui Barreira, especialista em florestas na ANP/WWF, é, relativamente a este ponto, sucinto: “Temos de perder esta lógica do ‘usa, deita fora’.”
“Não existe conservação da natureza sem pessoas. Se queremos ter um planeta mais sustentável, a mudança começa por nós. Não começa por plantar mais árvores ou criar mais áreas protegidas. Tudo isso é importante, mas aquilo que é verdadeiramente prioritário é reduzirmos os nossos consumos”, defende Rui Barreira, reagindo ao raio-X que os dados ajudam a fazer.
Neste artigo, olhamos para dez dos números compilados pela Pordata e explicamos aquilo que dizem sobre o estado do país e do planeta.
673 mil milhões de litros de água gastos em 2019
Em 2019, gastaram-se quase 673 mil milhões de litros de água em Portugal. O consumo anual de água no país está entre os 628 e os 683 mil milhões de litros desde 2012. Considerando que, segundo o último censo, vivem em Portugal 10.344.802 pessoas, poderia dizer-se que, em 2019, cada habitante gastou cerca de 178,23 litros de água por dia.
Afonso do Ó, especialista em questões da água e do clima na ANP/WWF, lembra, porém, que “todos os sectores” estão dentro daquele valor e que o agrícola é responsável por grande parte dos gastos. Tendo isto em mente, a presidente da direcção nacional da Quercus, Alexandra Azevedo, critica o facto de o Estado continuar a pensar na construção de “mais barragens” quando, argumenta, o problema do gasto excessivo de água está mais nas “práticas produtivistas do modelo agrícola”.
93% de águas balneares costeiras de qualidade excelente em 2020
Em 2020, Portugal foi o nono país da UE com a maior percentagem de águas balneares costeiras de qualidade excelente (93%). Ficou acima da média europeia (88%) e atrás de países como o Chipre (100%) e a Croácia (99%).
A classificação é mais modesta quando se olha para as águas balneares interiores. Portugal ficou na 13.ª posição (75% de águas de qualidade excelente), abaixo da média europeia (78%). Mas “é normal”, diz Afonso do Ó. “Com a chuva, há uma reciclagem permanente das massas de água interiores. E nós vivemos num país em que não chove metade do ano”, contextualiza.
O especialista também repara, porém, que a poluição difusa, que é “a poluição que chega à água através dos solos” e é “causada pela agricultura e pela pecuária”, está a ter um peso. “A aplicação intensiva de adubos e fertilizantes tem prejudicado as massas de água”, diz.
50% de ecossistemas florestais em 2018
Em 2018, metade do território português era ocupado por ecossistemas florestais (floresta, matos e terrenos improdutivos). O país estava acima da média europeia (44%) e atrás de países como a Finlândia (70%) e a Suécia (67%).
“A floresta tem vindo a ocupar cada vez mais terreno ao longo dos anos. Isso é reflexo do abandono de algumas zonas”, refere Rui Barreira, ao passo que Paulo Fernandes, investigador na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, sublinha que o facto de os espaços florestais estarem “bastante esvaziados de habitantes” contribui, muitas vezes, para a sua “parca gestão”. E isso é um perigo, frisa, apontando para o risco acrescido de incêndios graves. “Há quem diga que temos floresta a mais, no sentido em que não temos capacidade para a gerir”, aponta Paulo Fernandes.
22% de áreas protegidas terrestres em 2021
Em 2021, cerca de 22% do território terrestre português correspondia a áreas protegidas. Portugal estava abaixo da média europeia (26%), mas Rui Barreira não acha isso preocupante. “Portugal tem uma floresta primordialmente de produção, pelo que é natural que não tenhamos muitas áreas protegidas”, explica, argumentando que o fundamental é que exista uma “gestão eficiente das áreas protegidas” que de facto existem. E essa gestão eficiente está a verificar-se? Como o Estado “não tem grande capacidade de intervenção no território”, pois este é “esmagadoramente privado”, Paulo Fernandes tem dúvidas.
Em relação às áreas marinhas, Portugal era, em 2019, o terceiro país da UE com maior superfície protegida (77 mil quilómetros quadrados). Afonso do Ó diz, porém, ser normal que a classificação seja positiva. “Temos dois milhões de quilómetros quadrados de zona económica exclusiva”, aponta.
67 mil hectares ardidos em 2020
Em 2020, registaram-se quase dez mil incêndios e arderam 67 mil hectares em Portugal. Em 2017, o ano com mais área ardida das últimas quatro décadas, as chamas atingiram mais de 500 mil hectares (6% do território continental). O ano com mais incêndios foi, porém, 2005 (mais de 41 mil ocorrências, segundo a Pordata).
Rui Barreira diz que a criação recente da Agência para a Gestão Integrada de Fogos Rurais e a “contratação de mais sapadores” têm contribuído para um “aumento da capacidade de combate” aos fogos. Paulo Fernandes adverte, contudo, que o problema da “floresta contínua” é dramático. O investigador defende a necessidade de “grandes acções de gestão florestal e silvicultura preventiva”. “Este é um trabalho difícil, porque o território é vasto, as pessoas são poucas e os resultados só se manifestam após muitos anos”, diz.
13% mais emissões de GEE (face a 1990) em 2019
Em 2019, as emissões de GEE em Portugal aumentaram 13% face a 1990. O pior ano foi 2005 (uma subida de 46% face a 1990). Desde então, as emissões têm diminuído — excepto entre 2014 e 2017.
Portugal foi o quarto país da UE com um aumento mais significativo nas últimas três décadas, mas Francisco Ferreira, presidente da Zero, diz que isso não é estranho. “Éramos, em 1990, o país desenvolvido com menos emissões per capita. E fomos também o país que, na altura do Protocolo de Quioto, mais autorização teve para aumentar os níveis de produção”, lembra, aplaudindo ainda o facto de, no ano passado, Portugal ter posto fim à produção de electricidade a partir do carvão.
Segundo a Pordata, o sector dos transportes é o principal responsável pelas emissões de GEE no país (28% das emissões totais; 17.748 milhares de toneladas equivalentes de dióxido de carbono [CO2] em 2019). Segundo o Banco Mundial, emitiram-se, em 2018, 4,84 toneladas métricas de CO2 per capita em Portugal. A média mundial nesse ano foi de 4,48 toneladas métricas per capita.
5,3 milhões de toneladas de resíduos urbanos produzidos em 2020
Em 2020, produziram-se cerca de 5,3 milhões de toneladas de resíduos urbanos em Portugal. Em média, cada habitante produziu cerca de 513 quilos de lixo. A produção de lixo em Portugal aumentou cerca de 50% desde 1995. Estamos bem acima da média europeia (14%).
“Em 1995, cada cidadão produzia apenas 0,5 quilos por dia. Em 2020, o valor passou para 1,4 quilos”, lamenta Francisco Ferreira. Já Susana Fonseca, também da Zero, lembra que Portugal não conseguiu, até ao final de 2020, atingir as metas relativas à política nacional de resíduos (que passavam por limitar a produção de resíduos a 410 quilos por ano/habitante).
“Não vale de nada pôr uma meta de prevenção num documento e depois não implementar medidas no terreno”, critica a especialista, dizendo que há muito a fazer no “combate às embalagens descartáveis” e na “passagem para sistemas de reutilização”.
54% do lixo foi parar a aterros em 2020
Em 2020, os resíduos urbanos tratados tiveram como principal destino o aterro (54%) em Portugal. A média europeia foi de 23%. Os restantes Estados-membros já privilegiam a reciclagem (30%), mas aqui essa percentagem é ainda muito baixa (13%).
“Evoluímos pouquíssimo em 20 anos”, diz Susana Fonseca, lembrando que, em termos de reciclagem, a meta de Bruxelas para 2025 é de 55%.
“Se houvesse uma aposta forte na recolha selectiva porta a porta, daríamos um salto importante. Mas muitos municípios continuam a apostar em soluções que já não estão a resultar, como os ecopontos”, aponta a especialista.
Alexandra Azevedo argumenta, por sua vez, que deve ser “implementada uma taxa em função dos resíduos que colocamos no lixo indiferenciado”. “Por enquanto, estamos dependentes da consciência dos consumidores. E isso não chega”, diz.
98% da energia produzida em Portugal foi renovável em 2020
Em 2020, as energias renováveis representaram 98% do total de energia produzida em Portugal. O país, que está muito acima da média europeia (41%), privilegia a biomassa (51%), sendo que também explora os recursos eólicos (16%), hídricos (16%), solares (4%) e geotérmicos (3%).
“Não temos gás, não temos carvão, não temos petróleo… É claro que toda a energia produzida tem de ser renovável”, diz Francisco Ferreira. A Zero tem defendido que o recurso à biomassa é, nas condições actuais, insustentável para a floresta. O presidente da associação ambientalista também lembra que estamos “muito dependentes” das importações de electricidade.
“Num contexto de seca — e as alterações climáticas levarão a muitos mais anos de seca —, a energia hídrica é assim tão renovável?”, questiona-se, por sua vez, Alexandra Azevedo.
26.º Estado-membro que menos energia consome
Em 2020, Portugal foi o segundo país da UE cujos habitantes consumiram menos energia. Na Finlândia, que ocupa o primeiro posto, consumiu-se mais do triplo.
Francisco Ferreira recomenda cautela na análise desta classificação. “2020 foi o ano da pandemia. Parece que estamos bem no ranking, mas as famílias deixaram o carro em casa”, aponta o presidente da Zero, que fala ainda de um outro problema. “Temos muitos problemas de pobreza energética. Não utilizamos muita energia porque, regra geral, não temos dinheiro para o fazer”, afirma.
Segundo a Pordata, apenas em Malta a energia consumida ao longo de 2020 foi menor do que em Portugal. De acordo com o Banco Mundial e o Eurostat, vivem nesse arquipélago mediterrânico 525.285 pessoas. Ou seja: Malta tem mais ou menos 20 vezes menos habitantes do que Portugal.