Um regresso a Bilbau
A leitora Nair Alexandra partilha a sua visita ao Museu Guggenheim, “casa maior da arquitectura europeia”.
Tinha umas férias curtas pela frente. Como aproveitá-las, sem perder algumas horas de avião? Bilbau no mapa e o Museu Guggenheim no mapa da minha prioridade e na gaveta da minha vergonha, por ainda não ter visitado o interior daquela casa maior da arquitectura europeia, como se impunha.
Juntei o agradável ao agradável e pouco depois já sobrevoava o golfo da Biscaia. Alguma turbulência pouco antes da aterragem, uma chegada tranquila ao hotel, uma estadia não menos amena na cidade, deambulações pelo seu centro histórico e pelos seus jardins com relvados amplos. Entre os habitantes que por ali passeavam, um coelhinho enorme, felpudo, cor de cinza, com uma gola branca a lembrar os trajes da Renascença, muito simpático, tal como as duas humanas jovens que o passeavam, enternecidas com as carícias portuguesas oferecidas ao seu companheiro de orelhas longas.
Na manhã seguinte, a caminho do centro, junto ao rio. Um passeio pelo que outrora era uma nódoa na paisagem, uma mancha de indústria, ferro e óleo, fuligem, vidas enegrecidas, Bilbau portuária e operária, terra de demanda de mão-de-obra portuguesa, alguns nascidos pelas leiras do Douro ou do Minho foram apanhados na voragem destruidora de 1936-39. Os aviões da Legião Condor a picarem os céus e a despejarem bombas naqueles dias aziagos de 1937, ali, como em Guernica… Naquelas horas do meu percurso o barulho era outro, suave: alguns turistas, cliques de câmaras fotográficas, pouco audível o clique dos telemóveis, com o seu brilho muito rectangular.
Brilho? Brilho magnífico e invulgar é o das escamas de titânio, pele que tão bem veste aquele molusco gigantesco. Mais prateado se as nuvens abundam, azul e dourado se o sol faz o favor de se começar a rir, como aconteceu a meio da manhã. No exterior e no interior, aquele corpanzil encolhe-se ou estica-se como um acordeão maciço, muda constantemente com o ângulo de visão, pede a máquina fotográfica a toda a hora e exige não menos exclamações e encómios – a ele, ao museu, e ao seu autor, Frank Gehry.
É o imenso navio, as suas lâminas metálicas a darem-lhe brilhos vários, em combinação com o vidro e com a pedra, os reflexos sobre a ria do rio Nervión. Cada curva, cada sombra faz sentido, a transparência vítrea conversa com o metal e com a pedra, os nossos olhos seguem cada linha. E seguem as patas delicadas da aranha enorme, protectora e predadora, quase nove metros de altura, obra da artista plástica Louise Bourgeois - que lhe chamou Maman, pensando na sua mãe, que tecia e restaurava tapetes antigos. Mas os nossos olhos espantam-se com as cores fortes das tulipas metálicas do conjunto escultórico Tulipanes, a lembrarem balões de festas infantis; e arregalam-se com a escultura florida, muito alta, de Puppy, ambos de Jeff Koons. E voltam a deslumbrar-se com reflexos, desta vez os das muitas esferas da escultura de Anish Kapoor, A Grande Árvore e o Olho. E há a neblina transformada em arte, por Fujiko Nakaya, e…
De cócoras, de joelho em terra, de pé, reclinada, não dei descanso ao corpo nem à máquina fotográfica. Haveria tempo para isso, no quarto de hotel, no avião, no regresso. Por ora já tinha feito as pazes com Bilbau. E com Frank Gehry. E com a arquitectura, pois claro.
Nair Alexandra