Coimbra, a manteiga que não tem EE

Uma pessoa pensa que já provou todas as manteigas que se fazem no país e, de repente, descobre que há uma marca que se chama Manteiga Coimbra, mas que é feita na zona de Lisboa há 54 anos.

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Pedro Milagaia com o pai, Manuel Nuno Ferreira Santos

Ninguém tem de ser especialista em análise sensorial para concluir que as grandes manteigas nacionais são açorianas. É um axioma que nos entra pela boca e tem, grosso modo, duas causas: a nata proveniente de leite de pastagem e os dois modos de produção, o artesanal versus industrial, com destaque para o primeiro. Significa isso que só nos Açores se produz boa manteiga? Não. A Manteiga Coimbra (criada há 54 anos e agora na terceira geração familiar) é um bom exemplo disso. Mas antes de esmiuçarmos a marca, convém dissertar um pouco sobre os processos tecnológicos da produção de manteiga, a partir da experiência açoriana. Por questões didácticas.

Nos Açores produz-se manteiga nas ilhas de São Miguel, Terceira, Pico, Faial e Flores. Se destas ilhas saem várias marcas, as duas manteigas que têm fama são a Rainha do Pico (do Pico) e a Uniflores (das Flores). Isto é assim porque, razões edafoclimáticas à parte (clima, solos e pastagens), os métodos de produção destas manteigas são artesanais. Tal não significa que todas as restantes manteigas açorianas incorporem ingredientes estranhos. As manteigas industriais são apenas processadas num sistema contínuo (entra nata numa ponta e sai um pacote noutra), mas sem maturação prolongada da nata. E aqui está o factor que faz a diferença: uma manteiga com intensidade de sabor e aroma resulta da maturação da nata depois de pasteurizada (nalguns casos pode chegar às 48 horas). É durante este processo, devidamente controlado para evitar certos riscos bacterianos, que se desenvolvem reacções químicas que vão dar origem a aromas e sabores complexos e que nos fazem comer manteiga como se o mundo acabasse no dia seguinte.

Ora, esta volta rápida pelas ilhas serve para entrarmos na Manteiga Coimbra (a empresa chama-se Dinamicool) e registarmos que o seu sabor peculiar se deve à maturação das natas que ocorre de um dia para o outro e ao facto de as mesmas serem batidas por via do tal método o artesanal (batedeiras com dezenas de anos). As natas de diferentes regiões são provenientes de leite de animais que oram andam no pasto ora estão estabulados. Se o leite é de pasto, a manteiga sai mais amarela e mais intensa, caso contrário sai mais clara e mais suave. “Como hoje não é fácil ter acesso a matéria-prima que, já agora, triplicou de preço de Novembro para cá, temos sempre o cuidado de ter natas resultantes de diferentes modos de produção”, diz-nos Pedro Milagaia, filho de Manuel Milagaia e neto de Manuel Simões Milagaia – o criador da marca Natas e Manteiga Coimbra, em 1968.

A história é simples. “O meu avô trabalhava na Martins & Rebello (lacticínios) e um dia decidiu instalar-se por conta própria para, em primeiro lugar, vender nata fresca e, depois, manteiga. E cá estamos há três gerações.” E o que não se cansam de dizer Pedro, o pai Manuel e os colaboradores é que tudo é feito como antigamente, sendo que, no caso da manteiga, o único ingrediente extra que leva é sal. Dina Pais, funcionária de escritório, assiste à nossa conversa e, com tanto entusiasmo na defesa da manteiga, atira uma frase que deu jeito para o título dessa história: “A nossa manteiga não tem EE”, querendo com isto dizer que o processo não incorpora fermentos lácteos para dar sabor ou conservantes de qualquer natureza. “É só nata e sal. E é por isso que as pessoas nos dizem que a nossa manteiga sabe à manteiga de outros tempos. Não imagina a quantidade de gente que nos diz que esta manteiga sabe àquela que comiam na casa das avós ou da mãe”, continua Pedro Milagaia. E que sabor é esse? “Olhe, é mesmo isso: sabor puro da manteiga como existia antigamente. Eu não gosto de falar dos sabores da nossa manteiga. Prefiro que as pessoas provem e tirem as suas conclusões.”

Com uma tonalidade amarelo claro, a Manteiga Coimbra destaca-se por uma nota mais doce de nata fresca e pela textura muito aveludada. Um pedaço desta manteiga na boca derrete-se como se derrete um bombom de chocolate – delicadamente.

A título de curiosidade, encontramos à venda uma manteiga francesa cujos ingredientes incluem coisas como amido modificado, gelatina, ácido láctico, emulsionantes, sorbato de sódio e corantes. Bravo.

Diríamos que o único senão da Manteiga Coimbra, que foi sempre feita nos arredores de Lisboa mas que ficou com o nome Coimbra porque as primeiras natas vinham da região de Coimbra, é a sua distribuição no retalho. Como os clientes são maioritariamente pastelarias, geladarias e cadeias de hotéis premium, a empresa nunca apostou em canais de proximidade com o público. “Vendemos alguma coisa para lojas do Intermarché aqui das redondezas, mas, sim, sabemos que devíamos estar nas lojas gourmet. É algo em que estamos a pensar”, garante-nos Pedro Milagaia. Enquanto tal não acontece, quem quiser provar a Manteiga Coimbra ou se desloca à fábrica em Santo Iria da Azóia, ou faz a encomenda online ou procura-a nas lojas da cadeia de distribuição referida.

De facto, o carácter artesanal da Dinamicool é tal que se um cliente que comprou nata fresca tiver deixado ultrapassar o prazo de validade só tem de deslocar-se à fábrica em Santo Iria da Azóia e trocar o pacote por um outro com nata fresca. “É assim, nós gostamos de tratar bem dos nossos clientes”. Em que outra parte do mundo se trocam produtos alimentares por razões desta natureza?

Um pacote de 250 gr de manteiga, na fábrica Dinamicool, custa 1,75€. No Intermarché, os valores variam entre 2,70€ e 3€.

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