Para melhorar a comunicação da varíola-dos-macacos, deve ficar bem claro como o vírus se transmite

Deve ficar claro para a população quais são as manifestações clínicas e todas as formas de transmissão da varíola-dos-macacos. Só assim as pessoas percebem quais os riscos da transmissão, estão atentas e podem ter os cuidados adequados.

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Imagem microscópica do vírus da varíola-dos-macacos CYNTHIA S. GOLDSMITH, RUSSELL RE/Reuters

Em Maio, foram anunciados os primeiros casos de varíola-dos-macacos em Portugal. Como tem sido a comunicação e o que deve ser melhorado? Estes são alguns dos conselhos: é preciso que as pessoas percebam bem quais são todas as formas de transmissão e os sintomas; não usar linguagem discriminatória; e comunicar sempre a verdade, mesmo que haja incerteza.

“Acho que precisamos de identificar a melhor forma de comunicar o monkeypox [a varíola-dos-macacos], sobretudo este surto”, considera Raquel Duarte, antiga secretária de Estado da Saúde e uma das especialistas que aconselhou o Governo durante a pandemia de covid-19. “É preciso que as pessoas percebam [quais são] todas as formas da transmissão da doença.”

Raquel Duarte contextualiza que estamos perante um surto e que estes acontecem porque há algo que favorece a transmissão da infecção a mais pessoas ou de forma mais rápida do que seria esperado. “Há uma série de condições que favorecem essa transmissão”, assinala. Quanto a este surto em concreto, destaca que estamos perante uma doença que se transmite por diferentes formas, desde o contacto próximo de pele com pele, de fluidos, de gotículas até a roupa partilhada.

Por isso, a médica ressalva que não nos podemos apenas focar numa delas. De outra forma, corre-se o risco de as pessoas não valorizarem a exposição ou podem não tomar a atenção devida e atempada à ocorrência de sintomas. “Quando estamos a falar de monkeypox, deve ficar claro para a população quais são as manifestações clínicas e todas as formas de transmissão de forma a que as pessoas percebam quais os riscos da transmissão, estarem atentas e poderem ter os cuidados adequados.”

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Raquel Duarte Nelson Garrido

Sobre a comunicação, nota ainda que se deve estar sempre atento às suas consequências, de como é percebida e sermos capazes de a ajustar. “Quando temos uma população que pensa que não tem risco de transmissão porque não tem actividade sexual, obviamente que alguma coisa falhou na mensagem”, exemplifica. “É uma doença que, apesar de tudo, tem uma transmissão mais difícil e é preciso que as pessoas estejam alertas para os sintomas e sejam devidamente alertadas para os cuidados que devem ter perante a existência desses mesmos sintomas.”

Abandonar a expressão “comportamentos de risco”

Por sua vez, Bruno Maia dá diferentes conselhos em termos de comunicação sobre esta situação – e que até podem servir para outras doenças e infecções. Em primeiro lugar, o médico do Hospital de São José, em Lisboa, diz que não se deve usar linguagem discriminatória.

Um dos exemplos que dá foi uma frase dita por Vítor Duque, presidente da Sociedade Portuguesa de Virologia: “Pode ser o início de mais uma epidemia entre os homossexuais ou alastrada a toda a população.” “Usou linguagem discriminatória e disse que era uma epidemia de homossexuais, o que está errado”, refere Bruno Maia. “Quando o faz, perde logo a autoridade ou a respeitabilidade para comunicar às pessoas sobre este surto.” Neste contexto, recomenda que quem está a comunicar deve actualizar-se e tem de saber quais os termos que actualmente se usam na comunidade científica. “Hoje a comunidade científica usa a expressão ‘homens que têm sexo com homens’ para não se excluir ninguém e não se julgar a identidade das pessoas nem as orientações. É obrigatório que os técnicos usem linguagem inclusiva e actualizada.”

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Bruno Maia Rui Gaudêncio

Outro conselho que deixa é: comunicar com verdade. “A partir do momento em que mentimos, perdemos a autoridade, a confiança das pessoas e não há nenhuma mensagem que consigamos passar.” Mesmo quando há incertezas, é isso que deve ser comunicado. “Tem de ser dito o que não se sabe e o que se sabe. A incerteza ou a dúvida têm de estar presentes no discurso.” No caso deste surto, refere que a varíola-dos-macacos começa por aparecer em Portugal, Inglaterra e Espanha em homens que têm sexo com homens. “Isto tem de ser comunicado às pessoas. As pessoas têm de saber que, neste momento – pode deixar de estar – está sobretudo em homens que têm sexo com homens.”

Há ainda uma outra reflexão que deixa: “Hoje em dia, torna-se cada vez mais urgente deixar de usar termos como ‘comportamentos de risco’, porque associarmos comportamentos ou atitudes das pessoas no dia-a-dia a palavras como ‘risco’ estamos automaticamente a excluir e a afastarmo-nos das pessoas.” E objectivo, como realça, é mostrar às pessoas que a infecção existe, que pode ser transmitida e que pode ser feita de uma forma ou de outra.

O secretário de Estado Adjunto da Saúde, António Lacerda, afirmou que a varíola-dos-macacos é “uma doença de comportamentos de risco” e não de “grupos de risco”. Bruno Maia diz que esta afirmação “está errada, mas é compreensível”. Apesar de tudo, nota que não é discriminatória e grave como a do presidente da Sociedade Portuguesa de Virologia. “Ambas não são eficazes e a questão é a da eficácia de passar a mensagem e não se transmitir uma mensagem com conotações negativas que nos remetem para um passado e com discriminação. Se calhar, a linguagem dos comportamentos, das populações ou dos grupos de risco deveria de ser abandonada.”

Como bom exemplo de comunicação deixa o de Margarida Tavares, que tem sido a voz da Direcção-Geral da Saúde para o surto da varíola-dos-macacos. “Fez exactamente o que estou a dizer: disse que neste momento há um surto, está em homens que têm sexo com homens e que a varíola-dos-macacos se transmite por contacto. Não é necessário que haja sexo, mas obviamente, se houver relações sexuais, o risco aumenta. Ela fez o correcto e é a pessoa que devemos ouvir.”

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