A Conferência de Estocolmo iniciou uma sucessão de cimeiras das Nações Unidas
A sustentabilidade, para além de incluir as componentes, social, económica e ambiental, constitui um valor que se insere na dinâmica cultural da segunda metade do século XX e do século XXI. Os últimos 50 anos irão ser revisitados no Colóquio Ciência e Cultura – 50 anos depois da Conferência de Estocolmo, promovido pela Academia das Ciências de Lisboa (ACL), em 6 e 7 de junho, sob o ponto de vista das transformações culturais, sociais, económicas, científicas, tecnológicas e ambientais tendo por guia a sustentabilidade da civilização contemporânea.
O colóquio é dedicado ao desafio da sustentabilidade e conta com as intervenções de membros da ACL e de docentes e investigadores de todas as universidades representadas no Conselho de Reitores das Universidade Portuguesas (CRUP). Presidida pelo professor José Luís Cardoso, presidente da ACL, a sessão de abertura conta com a presença da ministra da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior e membro da ACL, professora Elvira Fortunato, e do vice-presidente do CRUP, professor Rui Vieira de Castro.
A Conferência de Estocolmo iniciou uma sucessão de cimeiras organizadas pelas Nações Unidas que têm determinado as políticas multilaterais sobre desenvolvimento e ambiente nos últimos 50 anos. O ano de 1972 foi também o da publicação do relatório Os Limites do Crescimento (Meadows, L. H. et al., 1972) realizado num computador rudimentar com o modelo Word3, no qual se conclui que no sistema Terra, espacialmente finito, o atual paradigma económico de crescimento com uma população crescente é insustentável.
O colóquio da ACL será um momento de reflexão e debate sobre o que se realizou no mundo desde Estocolmo e sobre os desafios presentes e futuros. Em 1992, passados 20 anos, a Cimeira da Terra, realizada no Rio de Janeiro, adotou a Declaração do Rio sobre Ambiente e Desenvolvimento, onde se afirma que “os seres humanos estão no centro das preocupações para o desenvolvimento sustentável e têm direito a uma vida saudável e produtiva em harmonia com a natureza”. Foi também nessa cimeira que foram adotadas a Agenda 21, a Convenção-Quadro sobre Alterações Climáticas e a Convenção sobre a Diversidade Biológica e negociada a Convenção das Nações Unidas para o Combate à Desertificação.
Após a Cimeira da Terra de Joanesburgo, no ano de 2002, cujos resultados foram mais limitados, seguiu-se em 2012, no Rio de Janeiro, a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, conhecida também como Rio+20. Aí se decidiu lançar um processo de construção de um conjunto de Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), na sequência dos Objetivos de Desenvolvimento do Milénio (ODM), que se dirigiam apenas aos países em desenvolvimento.
A adoção dos ODS e da Agenda 2030 pela Assembleia Geral das Nações Unidas de 25 de setembro de 2015, em Nova Iorque, veio dar um novo fôlego ao desenvolvimento sustentável para promover a transição para um sistema socioeconómico de maior sustentabilidade em todos os países, baseado numa nova governação e alicerçada em 17 ODS, com 169 metas quantificadas a ser cumpridas até 2030. Contudo, muitos destes objetivos estão ainda longe de ser integralmente atingidos.
Passados 50 anos, as desigualdades continuam a crescer, as crises alimentares e a pobreza extrema persistem em alguns dos países menos desenvolvidos e mais frágeis, estando agora a ser progressivamente agravadas pela sobreexploração dos recursos naturais, perda de biodiversidade, poluição, resíduos, alterações climáticas e pelas consequências da pandemia da covid-19 e da guerra na Europa.
Os desafios persistem e para os vencer é importante procurar conhecer as suas origens e razão de ser. O colóquio da ACL será um contributo para a análise científica deste problema tanto do ponto de vista das ciências sociais, como das ciências físicas e naturais. A situação contemporânea à escala global caracteriza-se por sinais de insustentabilidade que estão bem documentados nos estudos relativos à Grande Aceleração após a Segunda Guerra Mundial. O caminho de 1950 até ao presente foi documentado em termos quantitativos, utilizando 12 indicadores relativos às transformações socioeconómicas e 12 indicadores relativos às transformações nos subsistemas biogeofísicos do sistema Terra (Steffen et al. 2015). Estes gráficos evolutivos tornaram-se uma das formas mais usadas e eloquentes de evidenciar que estamos na nova época do Antropoceno. A maioria das curvas dos indicadores tem um comportamento exponencial o que para os sistemas vivos é insustentável.
A OCDE ao definir-se como um “fórum de países empenhados na democracia e na economia de mercado” constitui uma primeira aproximação, embora imperfeita, para o modelo Ocidental na dupla vertente económica e política, o que nos permite responder a questões à escala global.
Em 2017, os países da OCDE asseguravam cerca de 50% do PIB mundial em PPC [paridade do poder de compra], enquanto a China (16,4%) e a Índia (6,7%) somavam 23,1% (OCDE, 2020). De acordo com as estatísticas do Banco Mundial, em termos de população, a OCDE representava em 2020, 17,6% da população global, enquanto a China (18,2%) e a Índia (17,7%) representavam 35,9%, cerca do dobro da população da OCDE. Todos os países pretendem praticar o modelo económico Ocidental de modo a poder aceder à prosperidade económica e ao consumismo que observam no Ocidente. Os valores culturais do Ocidente estão vivos e dinâmicos, mas qual é a voz que têm num mundo muito mais populoso e complexo dominado pelos conceitos de utilidade, consumo e prosperidade económica? Terá o Ocidente a capacidade de, para além da hegemonia militar e económica, saber defender os seus valores de direitos humanos, democracia, tolerância, solidariedade e sustentabilidade?
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico