Marcelo diz que “há várias maneiras de ser ex-Presidente” e que tenciona ter intervenção mínima
Na Gulbenkian, o Presidente da República pediu ao Governo que defina com carácter de urgência o plano de acção e a estrutura para colocar no terreno a Estratégia Nacional de Combate à Pobreza 2021-2030.
O chefe de Estado, Marcelo Rebelo de Sousa, disse esta sexta-feira, a propósito das recentes intervenções públicas do seu antecessor, que “há várias maneiras de ser ex-Presidente” e que tenciona ter intervenção mínima quando cessar funções.
Questionado pela comunicação social, na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, sobre se já lera o artigo de Aníbal Cavaco Silva publicado na quarta-feira, Marcelo Rebelo de Sousa respondeu que sim, mas reiterou que não irá fazer qualquer comentário sobre o seu conteúdo: “Li, interiorizei e não comento.”
O Presidente da República também não quis comentar o excerto já divulgado da entrevista do seu antecessor que será transmitida esta sexta-feira na CNN Portugal nem fazer considerações sobre este “ressurgimento” de Cavaco Silva no espaço público. “O máximo que eu já disse uma vez, e que posso repetir, é que há várias maneiras de ser ex-Presidente”, observou Marcelo Rebelo de Sousa, considerando que “é legítimo escolher qualquer dos estilos”.
Segundo o chefe de Estado, os quatro anteriores presidentes da República – António Ramalho Eanes, Mário Soares, Jorge Sampaio e Cavaco Silva – “tiveram todos eles comportamentos muito diferentes” quando deixaram a chefia do Estado.
“Nuns casos, muito intervenientes, na vida política activa, mesmo, exercendo cargos, candidatando-se a cargos muito para além do termo do segundo mandato presidencial. Noutros casos, intervindo opinativamente, em condições diferentes, em tempos diferentes, mas intervindo. Noutros casos intervindo mais raramente. E noutros casos não intervindo praticamente na vida interna, tendo funções externas, tendo magistério distante, mas não intervindo em questões da realidade política”, referiu.
Marcelo Rebelo de Sousa não nomeou nenhum dos seus antecessores ao descrever estas “quatro maneiras legítimas de assumir o estatuto de ex-Presidente”.
“Eu também já vos disse qual é aquela que eu tenciono aplicar a mim mesmo, impor a mim mesmo, depois de ter sido tão interventor durante toda a vida, que é aproximar-me o mais possível da visão minimalista, contrastando com o maximalismo da minha vida quase inteira. Mas são opções”, acrescentou.
O Presidente da República recusou que estivesse a criticar indirectamente Cavaco Silva: “Não é nenhuma crítica, é olhar para a realidade e fazer uma análise. É assim. Cada pessoa é uma pessoa, e tem o seu direito a sê-lo, como cidadão. Não deixa de ser cidadão pelo facto de ser ex-Presidente da República, e assume a cidadania de formas diferentes, não há duas pessoas iguais.”
No artigo publicado na quarta-feira no jornal online Observador, em forma de carta aberta a António Costa, intitulado “Fazer mais e melhor do que Cavaco Silva”, o anterior chefe de Estado felicitou António Costa pela maioria absoluta do PS nas legislativas de 30 de Janeiro, passados quatro meses, pedindo desculpa pelo atraso.
“Foi uma vitória da sua pessoa como líder do PS. Somos agora colegas no que à conquista de maiorias absolutas diz respeito”, escreveu Cavaco Silva.
Em seguida, recordando o período em que governou também com maioria absoluta – entre 1987 e 1995 – Cavaco Silva desafiou o primeiro-ministro a “fazer mais e melhor” nesta legislatura com as condições de que dispõe.
O antigo presidente de PSD reclamou ter governado com “muita persistência” e “espírito de diálogo” para estabelecer “consensos importantes” com a oposição, destacando as revisões constitucionais de 1989 e 1992, e com “intenso, profundo e frutuoso diálogo” com os parceiros sociais, referindo que “foram assinados quatro acordos de concertação social”.
Admitindo que nalguma medida “a falta de apoio do PS a algumas das reformas” possa ser atribuída “à inabilidade ou à insuficiência de diálogo”, Cavaco Silva acrescentou: “Sendo conhecida a sua vontade de fazer reformas e habilidade no diálogo com o maior partido da oposição no sentido de as concretizar, estou certo que, com o seu governo de maioria absoluta, tudo correrá na perfeição.”
“Nenhum partido, nenhuma organização sindical, empresarial, social, cultural ou ambiental se queixará de falta de diálogo e de abertura do governo para aceitar as suas propostas; as reformas que o país urgentemente necessita serão feitas em clima de toda a tranquilidade política e a decadência relativa do país em termos de desenvolvimento será revertida”, prosseguiu, sempre falando directamente para o primeiro-ministro.
Cavaco Silva associou a governação até agora de António Costa a uma “asfixia da democracia” e à ideia de que, “para os socialistas, o Estado é deles”, declarando-se certo de que isso irá mudar.
“Agora, retirado da vida política activa mas preservando os meus direitos cívicos, estou certo de que, encerrada a fase da ‘geringonça’, o seu Governo de maioria absoluta fará mais e melhor do que as maiorias de Cavaco Silva”, rematou o antigo Presidente da República.
No excerto já divulgado da sua entrevista que será transmitida hoje à noite na CNN Portugal, Cavaco Silva acusou Rui Rio de enquanto presidente do PSD ter sido “suporte do PS” e elogiou o líder eleito dos sociais-democratas, que venceu as directas do sábado passado: “Tenho a ideia de que o doutor Luís Montenegro tem muito claro na sua cabeça como é preciso fazer oposição neste momento para dar um futuro melhor ao nosso país.”
Marcelo espera plano de acção e estrutura de combate à pobreza rapidamente no terreno
No encerramento do Congresso Nacional da Rede Europeia Anti-Pobreza/Portugal, na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, o chefe de Estado afirmou ainda esperar que o Governo defina rapidamente o plano de acção e a estrutura para colocar no terreno a Estratégia Nacional de Combate à Pobreza 2021-2030. E considerou que deve haver alguém “que venha a liderar o plano de acção”, um comissário ou “chame-se o que se chamar”, para se “evitar os dramas do interministerial, que é precisamente ser de todos e não ser de ninguém”.
O Presidente da República apelou a que “a orgânica global entre rapidamente no terreno”. “Esperemos que o Governo decida e decida rapidamente quanto à concretização da estratégia, à montagem da orgânica, à definição de responsabilidades, à escolha dos portadores dessas responsabilidades e ao contributo que todos devem dar para esta nova página que vai ser escrita, e que tem de ser escrita”, reforçou.
Quanto ao plano de acção, segundo Marcelo Rebelo de Sousa deve especificar objectivos para cada ano, até 2030, e “distinguir aquilo que é urgentíssimo, as medidas imediatas, aquilo que é urgente, o médio prazo, mas que é urgente, mas depois aquilo que é grave, é fundamental, é ligeiramente menos urgente”.
No seu entender, “dentro das urgentíssimas e urgentes entra por exemplo a agenda que visa o objectivo de um trabalho digno, que se espera venha a ser seguida depois da política de rendimentos, tanto quanto as crises vividas o permitam”. “É impressionante a falta de tempo que temos para a envergadura da tarefa”, observou.