Crise climática afecta tanto a saúde física como mental, diz OMS

Organização Mundial da Saúde apresenta, na Conferência Estocolmo+50, um documento que propõe aos governos cinco abordagens para minimizar os impactes do clima no bem-estar psicológico das populações.

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Solidão, migração forçada, dificuldades económicas e perda de meios de subsistência são alguns dos factores associados ao impacte do clima na saúde mental Paulo Pimenta

Começa a haver cada vez mais dados científicos sobre como a crise climática está a afectar a saúde mental humana, refere uma nota prática da Organização Mundial da Saúde (OMS), apresentada esta sexta-feira na Conferência nas Nações Unidas Estocolmo+50. O documento propõe aos governos cinco abordagens para minimizar os impactes do clima no bem-estar psicológico das populações.

“Esperamos que o desafio partilhado da crise climática seja um alerta de que a saúde mental é tão importante quanto a saúde física. Isso deve incluir a prestação de cuidados de saúde mental e apoio psicossocial àqueles que são mais afectados pelos eventos climáticos extremos ou pela angústia sobre o futuro do planeta”, afirmou ao PÚBLICO Diarmid Campbell-Lendrum, director da unidade da OMS dedicada à crise climática. As relações entre a mudança do clima e a saúde mental são um campo de investigação relativamente recente, tendo começado a merecer atenção a partir de 2007. Há muito ainda por investigar, mas o interesse científico pelo tema está a crescer.

Campbell-Lendrum sublinha que a crise climática é também uma questão de saúde – incluindo a mental –, mas frisa que, simultaneamente, não podemos negligenciar a raiz do problema. “Temos de enfrentar o problema na origem, cortando rapidamente as emissões de carbono. Há boas notícias aqui: muitas das acções que precisamos de colocar em prática – reduzir a poluição do ar e a dependência do carro, assim como fomentar caminhadas, passeios de bicicleta, o contacto com a natureza ou dietas mais saudáveis ​​e sustentáveis – também trazem directamente grandes benefícios para a saúde, tanto física quanto a mental”, diz o responsável da OMS. Campbell-Lendrum é um dos seis co-autores do documento agora publicado.

“Os países precisam de acelerar drasticamente as respostas às mudanças climáticas, incluindo esforços para [minimizar] os impactes [do clima] na saúde mental e no bem-estar psicossocial”, refere a nota prática, anunciada não só por ocasião desta cimeira das Nações Unidas, mas também para antecipar o Dia do Ambiente, celebrado a 5 de Junho. A conferência Estocolmo+50, que decorre a 2 e 3 de Junho, comemora a primeira Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente Humano, realizada em Estocolmo em 1972, quando a população global ainda nem sonhava atribuir à palavra “sustentabilidade” o significado que tem hoje.

As cinco sugestões de boas práticas para decisores políticos passam pela inclusão de considerações sobre a crise do clima nas políticas públicas de saúde mental (e vice-versa, ou seja, o bem-estar psicológico humano tem de estar em cima da mesa quando se tomam decisões governamentais ligadas à mitigação ou adaptação às alterações climáticas). Estão ainda na lista a importância de avançar sempre tendo em mente os compromissos globais já assumidos (o Acordo de Paris de 2015, por exemplo) ou de práticas multissectoriais e que envolvam a comunidade para minimizar os impactes do clima nas emoções humanas. Por fim, outra tarefa ciclópica: “Colmatar as grandes lacunas que existem tanto nos cuidados de saúde mental quanto nas respostas aos impactes do clima na saúde”, refere o documento.

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“É importante incluir as mudanças climáticas nas estratégias de saúde mental porque, segundo estudos mundiais, quase metade dos jovens (com idades entre os 16 e 25 anos) relata impactes negativos no funcionamento diário devido à ansiedade e angústia associadas ao clima. Qualquer impacte tão grande precisa de ser reconhecido e abordado em programas de apoio à saúde mental”, afirma Campbell-Lendrum.

O impacte das alterações climáticas nas emoções humanas é algo relativamente recente. E, por isso mesmo, a sociedade parece ainda estar a definir um vocabulário para nomear aquilo que sente. Paralelamente, investigadores e profissionais de saúde procuram compreender melhor o fenómeno que envolve sentimentos como a tristeza, o medo, o desespero, o pesar e a impotência. Estas emoções podem estar associadas a um ou mais factores climáticos (ver infografia), cuja interligação é complexa. Vários termos surgiram nas últimas duas décadas para tentar circunscrever estas experiências ontológicas: a solastalgia, a eco-ansiedade, a ansiedade climática e o luto ecológico.

Populações que vivem em zonas remotas ou de conflito, por exemplo, estão mais propensas a vivenciar estes sentimentos – o que não quer dizer que necessariamente enfrentarão questões de saúde mental. Eventos climáticos extremos e súbitos também podem deixar comunidades mais vulneráveis a problemas mentais. Imagine um grupo de agricultores cujas terras foram salinizadas pelo mar, ou que enfrentam uma seca hidrológica sem paralelo, perdendo assim colheitas e meios de subsistência. Se este mesmo grupo tiver de deixar o local onde nasceu por causa da fome ou da escassez de água, perderá referências e enfrentará múltiplos desafios ligados à migração forçada. O impacte emocional resultante desta cadeia de dificuldades pode impulsionar questões de saúde mental que, segundo a nota da OMS, devem ser merecer apoio psicológico adequado. Comunidades indígenas estão particularmente expostas.

“Esta crise apresenta uma nova escala de desafios para a humanidade. Como diz o Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas [IPCC, na sigla em inglês], temos uma janela de oportunidade breve e que se fecha rapidamente para garantir um futuro habitável e sustentável para todos. É difícil descrever o efeito que essa ameaça existencial tem na nossa saúde mental com nosso vocabulário actual. Ao mesmo tempo, precisamos de ter muito cuidado com a forma como usamos termos clínicos (como ansiedade e depressão), de modo que quem precisa tenha os cuidados de saúde adequados, mas, ao mesmo tempo, que não sejam estigmatizados aqueles que se sentem ameaçados com a mudança do clima, uma vez que esta preocupação é completamente racional”, acrescenta Campbell-Lendrum.

A saúde mental, mesmo que não houvesse crise climática, já constitui um desafio enorme para as sociedades. A nota da OMS indica que “a maior parte das pessoas com perturbações mentais não beneficia de qualquer tipo de cuidado”. Estima-se que vivam hoje no mundo mil milhões de pessoas com pelo menos um problema de saúde mental. Cerca de 2% dos orçamentos de saúde dos governos são investidos nesse sector. “Todos estes números vão ser exacerbados pela crise climática”, alerta a nota prática da OMS.