A Turquia de Erdogan passa a chamar-se Türkiye

O Presidente turco defende que o nome usado localmente “é a melhor representação e expressão da cultura, civilização e valores do povo turco”. A ideia é que no estrangeiro Turkey passe a Türkiye.

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EPA/ERDEM SAHIN

A televisão estatal turca, TRT, adoptou a nova designação assim que o Presidente, Recep Tayyip Erdogan, anunciou os planos para mudar o nome internacionalmente reconhecido do seu país. Segundo a emissora, “a grande maioria dos turcos sente que chamar o país pela sua variação local faz todo o sentido e está de acordo com os objectivos do país de determinar como os outros o devem identificar”. Esta quinta-feira, em resposta a uma carta do ministro dos Negócios Estrangeiros de Ancara, Mevlüt Çavuşoğlu, as Nações Unidas deixaram de reconhecer “Turkey” e passaram a identificar a Turquia como “Türkiye”.

Em causa está o nome inglês do país, um termo tão generalizado que até é usado com frequência na Turquia. Mas a ideia é que o termo turco passe a designar o país no estrangeiro em todos os contextos. “Türkiye é a melhor representação e expressão da cultura, civilização e valores do povo turco”, defendeu Erdogan em Dezembro, num memorando em que pedia aos turcos para usarem “Türkiye” em todas as línguas.

Marcas e empresas passaram a identificar os seus produtos como “Made in Türkiye” e as autoridades lançaram uma campanha de publicidade chamada “Hello Türkiye”, ao mesmo tempo que mudavam a designação do país nos sites oficiais. Mesmo na versão portuguesa do site do Ministério dos Negócios Estrangeiros, por exemplo, lê-se agora “República da Türkiye”, como se lê “République de Türkiye” na página em francês. A ideia, explicou Erodgan, é que “Türkiye passe a ser aceite como uma marca genérica para o nosso país em fóruns nacionais e internacionais”.

Pelo que se foi escrevendo e dizendo sobre o assunto na Turquia e na região, é verdade que, como sustenta a TRT, muitos turcos concordam que passem a ser eles a impor aos estrangeiros o nome do seu país, em vez do contrário – ao longo dos séculos, lembra a emissora, os europeus referiram-se ao estado Otomano “e depois à Türkiye por muitos nomes”, mas “os que ficaram foi o latino ‘Turquia’ e o mais universal ‘Turkey’”. Mas também há turcos que vêem a mudança como desnecessária e até uma distracção promovida por Erdogan a caminho das presidenciais do próximo ano, numa altura em que o país enfrenta uma grave crise económica.

Meryem Illayda Atlas, jornalista e membro da direcção da TRT ouvida pelo jornal digital Middle East Eye, defende a mudança, explicando que a digitalização tornou mais fácil que toda a gente use ‘Türkiye’ em inglês (nome que “no passado os computadores não reconheceriam").

Afirmando que cabe ao país exercer o seu “direito soberano” de se chamar como quiser, a jornalista nota ainda outro motivo: “Ataques xenófobos e islamófobos relacionam muitas vezes Turkey [peru, em inglês] com a ave peru” (a narrativa histórica mais comum refere que o peru era vendido através dos comerciantes de Istambul para a Grã-Bretanha, sendo conhecido por isso como “galo da Turquia”/ “Turkey coq”). “Preservar a reputação de um país também é muito importante”, sublinha Atlas.

Já para Unal Cevikoz, ex-embaixador e actual deputado do principal partido da oposição CHP (Partido Republicano do Povo, o mais antigo partido do país, fundado pelo “pai” dos turcos, Mustafa Kemal Atatürk), a associação com a ave não representa nenhum problema e este debate é “um desperdício de tempo”. “Turkey” tem sido usado pelo Ocidente para descrever o país durante séculos, lembra à página dedicada à Turquia do Middle East Eye. Actualmente, diz “Turkey é um dos cinco principais destinos turísticos em todo o mundo, toda a gente conhece o nome”.

Para muitos no CHP esta mudança será vista como parte do grande projecto de Erdogan para criar o que descreve como “Nova Turquia”. Sem poder apagar Atatürk da história, o actual Presidente tem tentado glorificar a história pré-Atatürk e o futuro que acredita estar a construir – através de infra-estruturas megalómanas, tentando impor-se como defensor do islão político no mundo ou pela distinção que faz entre “fronteiras físicas” da Turquia e “fronteiras do coração”, do Cáucaso a Alepo, na Síria, ou Mossul, no Iraque (sugerindo intenções expansionistas). Tudo isto a meses de 2023, ano de eleições que é também o do centenário da República turca.

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