De regresso a Estocolmo 50 anos depois, onde começou a diplomacia ambiental

Cimeira das Nações Unidas avalia o progresso alcançado nos últimos 50 anos, desde a primeira conferência sobre ambiente e desenvolvimento sustentável – um conceito que na altura ainda não existia.

Foto
Menos de um décimo das centenas de metas globais nas áreas do ambiente e desenvolvimento sustentável foi alcançada NASA/Reuters

Há 50 anos, em Estocolmo, começava a Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente Humano, com um discurso do então primeiro-ministro Olof Palme. “Foi decisiva, porque foi o começo da abordagem ao impacto das actividades humanas no ambiente e ao desenvolvimento sustentável”, explica Francisco Ferreira, dirigente da associação ambientalista Zero, para explicar porque é que nesta quinta-feira se inicia, na capital sueca, outra conferência que vai não só comemorar a data como avaliar o progresso – ou falta dele – neste meio século, Estocolmo+50: Um planeta saudável para a prosperidade de todos.

“A ideia de desenvolvimento sustentável começa a ser criada nessa altura, ainda sem ter esse nome, com uma dinâmica de problemas muito diferente da actual. Nessa altura tínhamos os derrames de petróleo, a poluição industrial, a consciência de que a população e os recursos poderiam vir a ser um problema”, sintetiza Francisco Ferreira.

Foi publicado em 1972, no ano da conferência, o livro Os Limites do Crescimento, que foi marcante. Encomendado pelo Clube de Roma a Donella H. Meadows, Dennis L. Meadows, Jørgen Randers e William W. Behrens III, cientistas do Instituto de Tecnologia do Massachusetts, que usaram um sistema computacional para simular as consequências da interacção entre os sistemas do planeta Terra com os sistemas humanos, usando cinco variáveis: população mundial, industrialização, poluição, produção de alimentos e esgotamento de recursos. Concluíam que, sem alterações substanciais à forma como consumimos recursos naturais, “o resultado mais provável será um súbito e incontrolável declínio tanto na população como na capacidade industrial”.

Surgiu no momento em que a consciência ambiental estava a despertar. Foi o tempo em que foram criados os primeiros ministérios ou agências de ambiente do mundo, salienta Viriato Soromenho Marques, professor catedrático de filosofia na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Em 1970, por exemplo, foi criada a Agência de Protecção Ambiental (EPA) dos Estados Unidos, pelo Presidente Richard Nixon. O primeiro Dia da Terra tinha sido comemorado em 1970. Ainda no final da década de 1960, o Japão e a Suécia criavam ministérios do Ambiente.

Foto
Indira Gandhi foi a única chefe de Estado presente na Conferência de Estocolmo há 50 anos UN Photo/Yutaka Nagata

Marcelo Caetano aproveitou

Para Portugal, ainda durante o Estado Novo, o convite para participar na conferência de Estocolmo foi muito importante. “O Governo recebeu em 1969 o convite para estar presente e Marcelo Caetano, que tinha chegado ao Governo uns meses antes, no final de 1968, e que estava interessado em quebrar o isolamento diplomático de Portugal nas Nações Unidas, por causa da guerra colonial, fez o trabalho de casa”, conta Viriato Soromenho Marques.

“Marcelo Caetano convidou o engenheiro José Correia da Cunha, aliás uma das pessoas mais notáveis que conheci na minha vida, que constituiu uma espécie de EPA portuguesa, a Comissão Nacional do Ambiente, que respondia directamente perante ele”, relata Viriato Soromenho Marques. “Quando veio o 25 de Abril já estava criada a base para a política ambiental.” No âmbito da preparação para a conferência, foi feito o primeiro relatório sobre o estado do ambiente em Portugal – e nas colónias – de 60 páginas, publicado em 1971.

A Conferência de Estocolmo há 50 anos foi um catalisador para as mudanças que estavam a acontecer no mundo. “Diria que foi o tiro de partida para pensarmos o multilateralismo à escala global e desencadearmos todo um conjunto de iniciativas”, diz Francisco Ferreira. Desde logo com a criação do Programa de Ambiente das Nações Unidas.

Viriato Soromenho Marques identifica vários ciclos na política de ambiente internacional, alternando crescimento e declínio. O primeiro, de crescimento, vai de 1962 a 1973, desde a publicação do livro Primavera Silenciosa, de Rachel Carson, até à Guerra do Yom Kippur, e consequente choque petrolífero, e coincide com a primeira Conferência de Estocolmo. O segundo, de retracção, vai de 1973 (crise petrolífera) até à entrada do partido Os Verdes no Parlamento alemão, igualada noutros países europeus, em 1983. Novo período de crescimento começa em 1984, a partir do acidente de Bhopal, na Índia e até 1998, quando se inicia o bloqueio legislativo de medidas ambientais nos Estados Unidos.

“E continuamos numa situação de grande estagnação. Houve um falso ciclo positivo em 2007, quando a União Europeia avançou com o pacote Energia e Clima, que juntava as alterações climáticas com as questões da transição energética e foi uma viragem da Comissão Barroso, que tinha tido até então um desempenho muito negativo em matéria ambiental”, explica Viriato Soromenho Marques. O fracasso da cimeira climática de Copenhaga, em 2009, pôs fim a essa recuperação.

Em termos de diplomacia ambiental, no entanto, tudo se iniciou em Estocolmo. “Começa todo um trajecto com a discussão sobre a poluição, passa para a destruição da camada de ozono (protocolo de Montreal em 1987) e as alterações climáticas (criação do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas em 1988) e o consumo dos recursos e a ideia de desenvolvimento sustentável do relatório Bruntland (1987)”, realça Francisco Ferreira.

Foto
A conferência em 1950 UN Photo

Vinte anos mais tarde, em 1992, foi a Eco 92, no Rio de Janeiro. “Ali é marcada a agenda para o século XXI, a chamada Agenda 21, e ali foram aprovadas uma série de convenções, da diversidade biológica, da desertificação [o início da ideia, a assinatura mesmo foi só 1994] e das alterações climáticas”, salienta.

A decisão sobre os Objectivos para o Desenvolvimento Sustentável surgiu na conferência da ONU de 2015, em Nova Iorque. “É o que melhor traduz o que deveria ser a acção integrada, esta ideia de planeta, prosperidade, pessoas, parcerias e paz”, que dá o mote à Conferência Estocolmo+50, diz Francisco Ferreira. “Vamos avaliar o progresso que houve.”

O balanço é agridoce, com muito de amargo: o relatório independente Unlocking a Better Future, lançado para a Conferência Estocolmo+50, tem números que mostram que o sucesso das iniciativas tem sido reduzido: menos de um décimo das centenas de metas globais nas áreas do ambiente e desenvolvimento sustentável acordadas pelos países foi alcançada, ou teve um progresso significativo.

“Quando olhamos para os resultados percebemos que ficaram muito aquém do desejável e do necessário. Mas acabaram por ser decisivos em muitas áreas, pelo menos na limitação dos impactos que as actividades humanas estão a ter em termos ambientais”, diz Francisco Ferreira.

“A Conferência Estocolmo+50 é para percebermos que o balanço é muito negativo, mas não devemos ter um Estocolmo +100. Esta conferência é uma oportunidade de reflectirmos. Com desigualdades do ponto de vista social e económico, não conseguimos garantir a qualidade de vida e o bem-estar das pessoas, e por isso é que esta conferência fala da prosperidade. E tem a ideia de investir no futuro, de mudar o paradigma do modo de vida de cada um”, resume.