Os Alpes são conhecidos pelas suas montanhas cobertas de neve, mas este é um cenário que se tem alterado lentamente nas últimas décadas: um estudo que será publicado esta sexta-feira na revista Science mostra que os Alpes estão a perder neve e a ganhar vegetação. As conclusões foram conseguidas depois de se analisarem imagens de satélite dos últimos 38 anos, que mostram que as alterações climáticas levaram à perda de neve em cerca de 10% das regiões dos Alpes que costumam estar cobertas de branco em algum momento do ano.
Por outro lado, a vegetação cresceu em 77% da área que fica acima do limite florestal dos Alpes, a zona a partir da qual não crescem árvores por causa das ásperas condições climáticas. “Estávamos à espera de detectar vegetação nos Alpes europeus, mas ficámos surpreendidos com a sua extensão”, explica ao PÚBLICO, por email, a cientista Sabine Rumpf, autora principal deste estudo. “Infelizmente, não há soluções simples para isto além da mitigação das alterações climáticas.”
Além de ser causado pelo aquecimento global, o aumento de vegetação e a perda de neve também terão “consequências directas no clima”. Se as temperaturas continuarem a aumentar como previsto pelos cientistas, “podem esperar-se mudanças mais profundas”, lê-se no estudo. As montanhas são locais de biodiversidade, mas estão a aquecer ao dobro do ritmo do resto do planeta. O Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC) das Nações Unidas tem alertado que se espera que haja mais perda de neve nas próximas décadas.
Neste estudo, só foram analisadas zonas que tivessem neve em algum momento do ano. Dessas regiões, 9% registaram perdas de neve. Nas restantes, explica a cientista da Universidade de Basileia (Suíça), não houve uma tendência clara que pudesse ser confirmada a partir das imagens de satélite, que só indicam a presença ou ausência total de neve. Ainda assim, o trabalho no terreno faz com que os cientistas saibam que “a grossura da neve está a diminuir, sobretudo em altitudes mais baixas”. “Do espaço só conseguimos detectar a perda completa de neve”, explica Sabine Rumpf. Segundo o estudo, que analisou imagens tiradas a partir do espaço entre 1984 e 2021, a perda de neve era mais notória no período de Verão.
Certo é que estas alterações não são uma previsão para o futuro: “Já estão a acontecer”, refere a investigadora. A maior parte da investigação foi feita enquanto Sabine Rumpf trabalhava na Universidade de Lausanne, na Suíça, mas depois começou a trabalhar na Universidade de Basileia, onde continuou a desenvolver este trabalho.
Ainda que haja zonas dos Alpes que estejam a perder neve e outras zonas que estejam a ganhar vegetação, estes fenómenos não estão directamente relacionados – pelo menos, do que se concluiu a partir deste estudo: “Só encontrámos uma fraca correlação entre os dois processos”, explica Sabine Rumpf. “Só quando a neve desaparece é que a vegetação pode começar a colonizar”, diz, e tanto o processo de perda de neve como de ganho de biomassa leva anos até ser “detectável” a partir do espaço. “Isto significa que o processo de passar de branco a verde deverá levar mais tempo do que os 38 anos analisados neste estudo.”
Espécies alpinas mais vulneráveis
Estas consequências das alterações climáticas nos Alpes poderão levar a uma redução do albedo na região, que é a capacidade de reflectir a luz solar, e também poderá levar a um aumento dos gases com efeito de estufa por causa do derretimento do gelo. Além disso, as “estruturas ecológicas” ficam mais em risco, sobretudo os animais e as plantas alpinas mais frágeis.
O estudo refere que poderá haver uma maior “produtividade” das espécies de plantas já existentes, mas também poderão registar-se alterações na composição da vegetação local, levando a “alterações estruturais de grande escala nos Alpes europeus”. Também o “edelweiss”, a flor branca e felpuda em forma de estrela que só cresce em altitudes elevadas, pode vir a ser afectado por estas alterações, defende a investigadora Sabine Rumpf.
As espécies alpinas que crescem acima dos 1800 metros de altitude estão “habituadas” a condições ambientais extremas, mas as espécies que crescem mais em baixo são “mais competitivas”, podem crescer mais rápido e tornarem-se dominantes. “Se estas espécies de altitudes mais baixas continuarem a invadir as alturas, a flora alpina especializada pode perder a competição”, explica a autora. Ainda assim, ressalva que não conseguiram obter informação específica sobre cada espécie a partir das imagens de satélite que analisaram para este estudo.