David Doubilet: “Digo sempre que este é um planeta de oceano, não um planeta de terra”

Conversa com os fotógrafos subaquáticos David Doubilet e Jennifer Hayes a propósito da sua vinda a Lisboa para uma conferência da National Geographic, que decorreu esta terça-feira.

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David Doubilet e Jennifer Hayes com tubarões nas Baamas Jim Abernathy
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Os fotógrafos subaquáticos David Doubilet e Jennifer Hayes DR

A saúde dos oceanos é sinónimo da saúde do planeta e as mudanças necessárias para combater a degradação ambiental global “começam pelas escolhas pessoais, sobre como queremos viver”, defende o fotógrafo subaquático e ícone da National Geographic, David Doubilet.

“Digo sempre que este é um planeta de oceano, não um planeta de terra [os oceanos cobrem cerca de 71% da superfície da Terra] e é preciso ter consciência de que as alterações que os oceanos sofrem têm ligação directa com a nossa sobrevivência”, declarou David Doubilet em entrevista à agência Lusa, referindo-se ao facto de os oceanos cobrirem cerca de 71% da superfície da Terra. “Quando falamos de alterações climáticas temos de lembrar que são os oceanos que regulam o clima.”

Para o autor de 12 livros que documentam ecossistemas marinhos em todos os oceanos do mundo e fotógrafo da revista National Geographic há 50 anos, o futuro passa por decisões pessoais como optar pela energia solar para aquecer a água do banho, ir trabalhar num carro que não usa combustíveis fósseis ou reduzir o uso de plásticos no quotidiano, “pequenos passos que podem exigir alguns sacrifícios”, mas também “pelo exercício do maior poder que os cidadãos têm, que é o poder de votar pela mudança e de escolherem líderes capazes de darem os passos necessários”.

O apelo é partilhado por Jennifer Hayes, bióloga, fotojornalista e parceira de David Doubilet na vida e no trabalho, que afirma à Lusa que “é frustrante ver e ouvir discursos que não se traduzem em decisões ou acções concretas, não se traduzem em mudança, mas terá de haver um momento em que os políticos não poderão evitar tomar decisões difíceis, até impopulares”: “Têm medo de tomar essas decisões e perder votos, mas elas terão de ser tomadas”.

“A ‘crise climática’ que se tornou palavra de ordem em discursos é uma ‘crise oceânica’. Se a evolução das alterações climáticas persistir, não é só o degelo polar e a perda de alguma ‘área de desenvolvimento imobiliário costeiro’ que está em causa, porque passaremos para cenários que hoje ainda vemos apenas em filmes, a perturbação das correntes oceânicas a um ponto em que todo o sistema que torna a Terra habitável, deixa de funcionar”, advertiu Jennifer Hayes.

Com Lisboa a preparar-se para receber entre 27 de Junho e 1 de Julho a II Conferência dos Oceanos das Nações Unidas, Jennifer Hayes deixa aos líderes políticos que estarão na capital portuguesa com a tarefa de fazer avançar medidas concretas sobre protecção dos oceanos o recado de que “ouçam os cientistas e tomem decisões baseadas na ciência. Pode ser um caminho difícil, mas os governantes não podem ignorar a ciência.”

David Doubilet e Jennifer Hayes estão actualmente empenhados no projecto Coral Através da Lente do Tempo – que apresentaram em Lisboa na terça-feira numa conferência da National Geographic, que reuniu exploradores e comunicadores dedicados a questões ambientais –, em que através da justaposição de fotografias dos seus arquivos tiradas há dez ou 20 anos com fotografias actuais obtidas nos mesmo locais apresentam um antes e depois, um testemunho das mudanças, quase sempre da degradação, que os oceanos estão a sofrer.

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Um crocodilo muito curioso com Jennifer Hayes, em Cuba DR

O que o projecto pretende, diz Doubilet, é “apresentar provas” dos efeitos das alterações climáticas, “porque o mais difícil para convencer as pessoas é apresentar provas tangíveis destes fenómenos e aqui o que fazemos é mostrar as mudanças e a rapidez com que acontecem”.

“As imagens têm o poder de abrir os olhos das pessoas, de convencer os descrentes. É por isso que insistimos em mostrar o que está sob a água, invisível para a maioria das pessoas”, diz o fotógrafo com mais de 26.000 horas debaixo de água, acrescentando que as mudanças que tem testemunhado são “toques de despertar, que chamam o mundo a acordar”.

“A morte de corais em áreas cada vez mais vastas, o aquecimento sem precedentes registado no Árctico ou as populações de pinguins na Antárctida deslocadas por mudanças no seu habitat provocadas por alterações climáticas são esses toques de despertar” afirmou.

Apesar de tudo, David Doubilet vê sinais de esperança na reacção das gerações mais novas: “Estão a encarar estas questões de forma muito séria. A apatia em relação aos impactos das alterações climáticas é mais generalizada nas gerações mais velhas”, sublinhou.

“Quero acreditar que há por esse mundo mais do que uma Greta Thunberg [a adolescente sueca que originou um movimento global de denúncia da inacção de governantes sobre a crise climática], jovens que estão a levantar-se e a expor a imbecilidade de ignorar os sinais de alerta do planeta que permite a existência da humanidade”, acrescentou Jennifer Hayes. “Será que conseguimos fazer a mudança necessária? Não sei. Será já tarde de mais? Também não sei, mas sei que nunca é tarde demais para tentar”, realçou David Doubilet, de 75 anos e que tirou a primeira fotografia subaquática quando tinha 12 anos.