Dwayne Fields quer levar jovens de meios desfavorecidos à Antárctica
Explorador britânico quer oferecer a dez jovens britânicos um lugar na expedição “Antárctica: Da cidade ao mar 2022”. Dwayne Fields está em Lisboa esta terça-feira para uma apresentação na National Greographic Summit.
Qualquer pessoa pode e deve aventurar-se na natureza, acredita o explorador Dwayne Fields, que foi, em 2010, o primeiro britânico negro a alcançar o Pólo Norte a pé. O naturalista quer que viagens a lugares remotos e selvagens deixem de ser vistas como um privilégio de poucos. Com este objectivo, criou a Fundação WeTwo com Phoebe Smith, também exploradora. No início de Novembro, Dwayne e Phoebe pretendem liderar uma expedição à Antárctica com dez jovens oriundos de contextos desfavorecidos do Reino Unido.
“Se não virmos membros da nossa comunidade, pessoas nas quais nos revemos, a fazer uma determinada actividade, então vamos ter sempre a impressão de que aquela coisa não é para nós. O problema deste pensamento é que estamos à beira de um precipício – a crise climática está a avançar muito rapidamente. Precisamos de todos, pessoas de todas as comunidades, para deter este avanço”, explica ao PÚBLICO Dwayne Fields, que está em Lisboa na terça-feira, 31 de Maio, para fazer uma apresentação na National Greographic Summit.
O explorador acredita que o planeta não terá um futuro auspicioso se parte da população não for incluída nem sensibilizada para causas ambientais. Para Dwayne Fields, se as pessoas forem expostas ao mundo natural, “ficarão logo apaixonadas” por ele. “A melhor forma de proteger o planeta é permitir que todos possam explorá-lo responsável e respeitosamente”, afirmou ao PÚBLICO numa videoconferência. A ideia da expedição “Antárctica: Da cidade ao mar 2022” é precisamente poder proporcionar estas experiências a jovens que, de outra forma, não teriam acesso a uma expedição polar. E mostrar-lhes que, se assim entenderem, podem ser exploradores no futuro.
Quando o desafio da Fundação WeTwo foi lançado, a dupla “recebeu mais de 700 sugestões” de possíveis participantes. “Houve agentes da polícia a indicar jovens com problemas na justiça, e que eles julgavam que poderiam beneficiar deste programa, assistentes sociais, professoras, parentes, vizinhos... Passámos um dia e meio a ler cada palavra de cada mensagem”, conta o explorador de 39 anos.
A dupla acabou por chegar a uma lista dos melhores candidatos, a quem foi pedido, numa segunda etapa do processo de selecção, o envio de um vídeo no qual deveriam explicar como fariam para reduzir as emissões durante a viagem e de forma contribuiriam, no regresso, para melhorar a vida da comunidade onde vivem. Todos os concorrentes tinham, segundo o explorador, idades entre 16 e 18 anos, uma faixa etária na qual “os jovens estão geralmente a definir o caminho profissional que querem seguir”.
Quando Dwayne e Phoebe finalmente escolheram os dez futuros companheiros de expedição, foram pessoalmente dar a notícia a cada um deles. Houve reacções de silêncio, choque e incredulidade. “Estas coisas boas não costumam acontecer a pessoas como eles. Vamos levar à Antárctica jovens que muitas vezes são vistos como gente que não vai a lugar nenhum, que não será nada na vida. Eu próprio escutei muitas vezes que não iria a lado nenhum”, diz Dwayne Fields, que nasceu na Jamaica e se mudou aos seis anos para Hackney, no Leste de Londres, onde se envolveu numa luta de rua que viria a ter um papel transformador no seu percurso.
“Quando mencionamos a Antárctica a um jovem destes, a palavra não significa muita coisa porque nunca estiveram lá nem conhecem ninguém que lá esteve. Estes jovens vão voltar para casa e vão falar das suas experiências. Este lugar frio e distante vai tornar-se algo tangível para estes jovens e para as suas comunidades”, prevê o explorador.
A expedição da Fundação WeTwo será livre de encargos financeiros para os dez jovens seleccionados, mas a dupla organizadora está a contar com uma retribuição na forma de acções de sensibilização na área do ambiente. Cada participante poderá, quando voltar ao Reino Unido, promover campanhas de recolha de lixo e plásticos em areais e zonas verdes, por exemplo.
A viagem começa no início de Novembro em Londres, de onde a equipa viajará de avião até Buenos Aires, na Argentina, seguindo depois para Ushuaia (no arquipélago argentino da Terra do Fogo) e, depois, finalmente, para a Antárctica. A exploração polar será feita a bordo de um navio híbrido dos Cruzeiros Hurtigruten, que prometem uma redução de cerca de 20% na emissão de gases. O programa da expedição prevê a participação em sessões de observação de baleias, projectos científicos a bordo (a recolha de amostras de seres vivos marinhos, por exemplo) e apresentações ligadas à sustentabilidade e às alterações climáticas.
Recuperar o menino da Jamaica
Dwayne Fields nasceu na Jamaica, onde viveu até aos seis anos com a avó, que sempre encorajou a sua curiosidade pelo mundo natural. “A Jamaica acendeu a minha paixão pela natureza. Adorava espreitar os animais que viviam debaixo de pedaços de madeira”, recorda. Quando se mudou para a capital inglesa, Dwayne viu-se repentinamente forçado a encaixar-se num novo contexto. Sentia necessidade de ser aceite, o que encorajou sentimentos negativos como a ansiedade e a insegurança. Já na adolescência, em Hackney, testemunhou episódios violentos e quase foi, ele próprio, vítima de um tiro à queima-roupa na sequência de uma luta na rua.
“Quando me mudei para Londres, senti-me ansioso e inseguro. Por causa desses sentimentos, deixei para trás a criança que fui na Jamaica. Naquele episódio em que me apontaram uma arma e puxaram o gatilho [a arma não estava carregada], percebi que tinha de recuperar a criança que eu fui. Muitas pessoas diziam-me para eu ir atrás do rapaz [que me tentou matar], mas decidi que a única coisa que poderia fazer para me vingar era ser eu próprio. Recordo-me de estar em casa e pensar que já não estava a ser eu mesmo há muito tempo. E que precisava voltar a ser o menino da Jamaica”, conta Dwayne Fields.
Depois desta experiência traumática, o naturalista garante ter decidido restabelecer a relação que tinha com o mundo natural. Ao ver um programa de entrevistas na BBC, tomou conhecimento da expedição polar que seria levada a cabo por James Cracknell e Ben Fogle – o que o inspirou a caminhar, em 2010, mais de 370 quilómetros para alcançar o Pólo Norte. Agora, o naturalista britânico conclui: “Não podemos ser condicionados ou restringidos pelos lugares onde crescemos nem pelas amizades que temos. Vivemos num mundo único e bonito que está a nossa espera.”