“Imaginem que a Rússia invade a Ucrânia e conquista cidades ucranianas. Imaginem que as forças internacionais as reconhecem como russas e que não há nada que possam fazer. O mundo está com eles. Como se sentem? É o que estamos a viver aqui, agora.” Foi o que me disse Rafi Ghatta, palestiniano, 25 anos e guia turístico em Jerusalém, na minha viagem à Palestina.
Conheci muitos palestinianos cristãos, apesar da prevalência muçulmana no país. Conviver com eles é ter a oportunidade de ver a opressão de Israel e o impacto que esta tem na vida destas pessoas.
Ao passar a fronteira, vi homens e mulheres, jovens, armados, com uniformes militares, distintivo de Israel no ombro. As autoridades palestinianas não estavam presentes.
Rafi contou-me que era normal chegar atrasado às aulas porque tinha de passar por um checkpoint, que é uma entrada entre as zonas da Palestina onde são realizados controlos de segurança aos habitantes. “Uma vez, um militar israelita não me deixou passar porque lhe dei a minha identificação e não me lembrava do meu número de identidade. Respondeu-me ‘Como posso saber se és tu, se não o sabes de cor?’. Fiquei lá horas até me lembrar.”
O território da Palestina está dividido em dois: a Faixa de Gaza e a Cisjordânia. Este último está repartido na Zona A, controlada por autoridades palestinianas, Zona B, onde o poder é partilhado pelas forças palestinianas e israelitas, e Zona C e Jerusalém Oriental, sob controlo de Israel.
Na Zona C conheci um pai e um filho. A mãe, natural de outro país, nunca conseguiu viver com eles. O Estado de Israel não lhe emite visto para viver na Zona C. Já ele, por ser dessa zona, nunca conseguiu visto para se mudar. Quando ela vai para a Palestina, fica nas Zonas A e B. O casamento dura há 32 anos.
Conheci num jantar Nadine Bitar, 30 anos, casada. Nunca conheceu outra realidade. “Desde o momento em que abri os olhos que vivemos em guerras e conflito. Só que este conflito é um sistema apartheid que está a tentar eliminar-nos.”
Segundo a Amnistia Internacional, Israel está a fazer um sistema apartheid na Palestina, pois a “ocupação em massa de territórios e propriedades palestinianas, as execuções, as deslocações forçadas, as limitações radicais de circulação e a recusa de nacionalidade e cidadania aos palestinianos integram um sistema que equivale a apartheid à luz do direito internacional.”
“Tu és portuguesa, podes passar checkpoints sem problema, mas eu posso precisar de visto para ir a outra cidade da Palestina. Podes entrar em Israel quando queres, eu preciso de autorização”, disse-me Rafi. Apesar de estar na Palestina, o meu visto era dado pelas autoridades israelitas. “Porque é que só precisas de um visto de Israel para entrar no nosso país?”
Estava lá quando a jornalista Shireen Abu Akleh foi assassinada a 11 de Maio. “Era a voz da verdade”, disse Nadine “Não tinha medo de expor as atrocidades que fazem no nosso país. Nunca esqueceremos como foi assassinada.”
Nem o seu funeral foi pacífico. Os soldados israelitas atacaram quem lá estava, nomeadamente quem transportava o caixão. Nadine disse-me: “Até depois da sua morte, ela era uma ameaça para Israel. Eles não a deixaram viver, nem estavam a deixá-la morrer.”
Nadine tem esperança em paz e em justiça. Rafi espera que todos possamos visitar o seu país para vermos, com os nossos próprios olhos, a realidade em que vivem.