Troço da Almirante Reis, em Lisboa, foi ocupado em protesto contra “destruição” da ciclovia
A manifestação foi organizada após uma parte da ciclovia da Almirante Reis ter sido retirada na última quarta-feira à noite. Mais de 50 pessoas ocuparam a avenida, com bicicletas, toalhas de piquenique e críticas à Câmara Municipal de Lisboa.
Mais de meia centena de pessoas ocuparam este domingo, 29 de Maio, um troço descendente da avenida Almirante Reis, em Lisboa, onde estacionaram as bicicletas e fizeram um piquenique “pelo direito à cidade”, manifestando-se contra a solução provisória de retirar metade da ciclovia.
“Menos automóveis, mais espaço para as pessoas”, defendeu Pedro Monteiro, da iniciativa Massa Crítica, que celebra o uso da bicicleta e decidiu, juntamente com associações pela justiça climática, organizar a manifestação após saber, na última quarta-feira à noite, que parte da ciclovia da Almirante Reis estava a ser retirada. Promovido através das redes sociais, o protesto começou tímido, com cerca de três dezenas de pessoas pelas 17h, com a polícia a questionar a legitimidade de ocupação da via, mas a organização recusou desmobilizar e a participação aumentou para cerca de 70 pelas 18h30.
Os manifestantes transformaram cerca de 30 metros do troço descendente da avenida Almirante Reis, entre a Alameda e a Praça do Chile, num espaço de piquenique, com toalhas estendidas no alcatrão e com lanches variados. Inspirado na iniciativa “Pic Nic the Streets”, que surgiu em Bruxelas em defesa de mais espaço público para usufruto dos cidadãos em vez da preocupação com o fluxo de automóveis, o protesto juntou utilizadores de bicicleta, nomeadamente famílias com bebés e crianças que aproveitaram para brincar em plena avenida.
Contra a “destruição” da ciclovia da Almirante Reis e a ideia de “meter mais carros na avenida”, Pedro Monteiro considerou que a cidade tem que ser “mais para as pessoas, mais para a qualidade de vida e não tanto como via de atravessamento”, em que “as pessoas passam, nem param sequer, não usam o comércio, não conhecem a cidade por onde passam”.
O organizador da manifestação referiu que a solução provisória apresentada pelo presidente da Câmara de Lisboa, Carlos Moedas (PSD), para a ciclovia “corresponde à primeira versão” proposta pelo anterior presidente da autarquia, Fernando Medina (PS), e que levantava “imensas questões” ao nível da segurança, por se tratar “uma ciclovia bidireccional estreita”.
Apesar de reconhecer que “há imensos pontos de melhoria”, inclusive a continuidade dos trajectos cicláveis, Pedro Monteiro sugeriu que até ser estudada uma solução melhor a ciclovia deve continuar como está, porque “não faz sentido mudar para pior” e “os próprios automobilistas já se adaptaram e estão habituados a esta situação”.
Relacionando a mobilidade com a questão da habitação, o responsável da iniciativa Massa Crítica reforçou que “é preciso que as pessoas consigam viver na cidade”, o que facilita a utilização da bicicleta, realçando que a avenida Almirante Reis “permite chegar praticamente a qualquer ponto de Lisboa em 15 minutos de bicicleta, por isso é que também a luta pela ciclovia é tão intensa e tão importante”.
Com a família sentada no alcatrão da avenida a lanchar, Bárbara Duque, de 39 anos, vive em Lisboa há quase duas décadas, já foi utilizadora de vários meios de transporte e, desde há seis anos, que usa a bicicleta para as deslocações do dia-a-dia, “mesmo com as crianças”, lembrando o tempo em que percorria a Almirante Reis sem existir ciclovia, ou seja, “sem uma via segura”. “Esta avenida é muito bonita e será cada vez mais bonita se puder ser usada pelas pessoas”, apontou a ciclista, em declarações à Lusa, apoiando a ideia de uma cidade de proximidade em que “faz sentido dividir o espaço de uma maneira mais democrática”, inclusive com espaço para as crianças poderem estar livremente a brincar na rua.
Sobre a proposta de Carlos Moedas para a ciclovia, Bárbara Duque disse que ainda não sabe se é contra, porque sente que o presidente da Câmara “cada dia diz uma coisa diferente”, mas ressalvou que o fundamental é “não tomar decisões e não começar a fazer obras sem a garantia de que existe uma ciclovia”. A solução “não pode passar por apagar uma ciclovia a meio da noite”, acredita. Admitindo que a actual via ciclável “não é totalmente segura”, a ciclista reforçou que a mesma “tem que ser pensada, mas não pode ser retirar e depois pensar”, acrescentando que “não é necessário ter quatro vias para automóveis”.
A ler um livro enquanto protestava contra o plano de retirar metade da ciclovia, o lisboeta Artur Vasco, de 24 anos, estudante de Ciência Política, contou que já viveu na Almirante Reis antes da instalação da via ciclável e “era horrível a poluição e o ruído”. Defendeu que a avenida não pode ser só para carros, é preciso mais espaço para o peão e para os meios suaves, como a bicicleta e a trotinete, e é necessário ter mais árvores. “Temos que diminuir a velocidade máxima em Lisboa e incentivar o uso de bicicletas, andar, transportes públicos”, referiu o jovem, avisando que tal não se consegue com propostas para aumentar o fluxo de carros.
Como solução transitória, Carlos Moedas decidiu retirar a ciclovia do sentido ascendente e colocar duas faixas para automóveis. Toda a ciclovia ficará assim no sentido descendente, permitindo, segundo o autarca “que o trânsito escoe da cidade com maior fluxo”, ao mesmo tempo que os utilizadores da ciclovia também continuam “a percorrer a avenida”. O projecto de requalificação da ciclovia da avenida Almirante Reis inclui ainda alterações nos sentidos de tráfego junto ao mercado de Arroios e a eliminação do corredor “Bus” da rua Carlos Mardel.