Henry Gee: “A gritaria alarmista sobre a crise climática só atrapalha”
Henry Gee, editor da revista científica Nature, avisa que o tom catastrófico usado para falar sobre a crise do clima é contraproducente. A melhor forma de convencer a pessoas é usar a “persuasão gentil”, garante o paleontógo britânico.
O paleontólogo e escritor britânico Henry Gee está cansado de tanto “estardalhaço” à volta da crise climática. Não porque o assunto não seja importante, mas sim porque o autor considera que a gritaria alarmista não é a melhor estratégia de comunicação. Henry Gee, que é editor da revista científica Nature há mais de duas décadas, faz o elogio daquilo que chama “persuasão gentil”. E vê como modelo a seguir o estilo do naturalista britânico David Attenborough, de 96 anos, que fala de “um modo calmo”. A famosa imagem que mostra uma tartaruga com um plástico “conseguiu mudar mais políticas públicas do que toda a gritaria junta”, argumentou Henry Gee numa entrevista ao PÚBLICO, realizada por videoconferência. O autor britânico publicou recentemente em Portugal o livro A Vida na Terra - Uma Breve História (Bertrand, 288 páginas).
O livro A Vida na Terra sugere que está optimista em relação à humanidade num futuro próximo, mas muito pessimista a longo prazo. Não está preocupado com a crise climática?
Claro que sim, todo mundo deve estar preocupado. Apenas acho que é perigoso tornar as coisas muito emocionais e exageradas. Tudo agora é uma emergência, um desastre, uma catástrofe. O que vamos fazer quando realmente for uma emergência? Acampei com o meu filho num local onde havia castanheiros, uma árvore muito comum em toda a Europa. O meu filho perguntou sobre o nome da árvore e fui procurar na Wikipedia. Percebi então que a árvore era considerada vulnerável pela União Internacional para a Conservação da Natureza. Vulnerável? Mas esta espécie está em todo o lado! Só que já quase não existe numa pequena parte da Grécia, de onde é nativa. A espécie viveu ali durante a Era do Gelo, quando a Europa estava coberta de água congelada, e as árvores viviam em pequenas bolsas no Sul, em países como Espanha, Portugal ou Grécia. Dizer que o castanheiro é vulnerável é privilegiar o nosso tempo histórico sobre todos os outros. O castanheiro está óptimo! Indago-me quantas outras espécies listadas em perigo quando na verdade não estão. Estas listas removem um sentido de urgência de outras coisas que são realmente urgentes. Há espécies que realmente estão ameaçadas. Temo que a gritaria alarmista torne o problema pior porque as pessoas vão acabar por desligar.
Acha que este é um problema do jornalismo ambiental que fazemos hoje?
Sim. Mas acho que o problema está sobretudo nas redes sociais. Todos podem dizer o que lhes vai na cabeça. Parte dessa informação é verdadeira e parte não é. E é difícil distinguir uma coisa da outra. As pessoas que tendem a ter mais sucesso são aquelas que gritam mais. Uma das dificuldades da comunicação de ciência é que é muito matizada: muitas vezes a resposta científica não é sim ou não, mas depende. A ciência não é a produção de factos, mas sim a circunscrição da dúvida. Os editores querem uma descoberta científica forte para fechar o telejornal. A ciência tende a ser simplificada, ou usada para confirmar factos nos quais já acreditamos, seja uma agenda liberal ou conservadora. E eu penso que temos de ser cépticos em relação a ambos. Se ficarmos sempre a exagerar, corremos o risco de perder importância, como na história do menino e do lobo. Acho que o mesmo ocorre com as pessoas que gritam sobre a crise climática – o coração está no sítio certo, mas há o risco de a mensagem perder importância. As alterações climáticas são reais, é verdade que as coisas estão a avançar muito rápido e que já existem perturbações. Mas temos de pensar com a cabeça, a gritaria alarmista só atrapalha.
Escreve no último capítulo do livro: “[O]s seres humanos teriam de continuar a fazer o que estão a fazer durante mais de 500 anos para que a actual taxa de extinção tivesse um lugar entre as Grandes Cinco [extinções]. É quase o dobro do intervalo de tempo entre a Revolução Industrial e os dias de hoje. Houve muitos estragos feitos, mas ainda há tempo para impedir que seja tão mau como poderia ser se a humanidade não fizesse nada. Estamos na direcção certa?
O que estou a dizer é que não é tão mau quanto algumas pessoas dizem. Há quem grite que não estamos a fazer nada ou que o que estamos a fazer não é suficiente. A segunda afirmação até pode ser verdadeira, mas não a primeira. Por vezes é importante colocar as coisas em perspectiva: como paleontólogo, percebo o efeito que os humanos modernos estão a ter no planeta como algo extremamente recente. O motor de combustão interna [de Otto] foi inventado em 1876. Na linha de tempo…
…é um ponto minúsculo.
Minúsculo. Dentro de uma década, o motor a gasolina estará a desaparecer. E depois vai ser uma peça de museu, exposta ao lado de uma máquina de escrever manual. Todo mundo vai estar a dirigir carros eléctricos até lá – isto se estivermos a conduzir alguma coisa. Já existe legislação por parte dos governos para se livrar do motor de combustão interna. Será talvez uma tecnologia que nasceu e desapareceu em menos de dois séculos.
Daí o seu optimismo a curto prazo?
Estamos conscientes do problema e a dar passos para resolvê-los. As emissões de combustíveis fósseis estão a ser reduzidas, um pouco por todo mundo. Há estatísticas interessantes que ninguém partilha e que foram uma surpresa para mim: embora o consumo per capita de energia esteja ainda a aumentar globalmente – o que é compreensível, há mais pessoas na África e na China –, este já está a cair em alguns países ricos. No Reino Unido e nos EUA, houve um pico nos anos 70 e depois manteve-se estável, na forma de planalto, até ao início do século. Desde então, tem vindo a cair. E isto aconteceu de uma forma surpreendentemente rápida: a utilização de energia per capita baixou quase 25% nas últimas duas décadas, por exemplo, sem que ninguém precisasse fazer alarido por aí.
Há meio século, a população do planeta era metade do que é hoje. E havia uma preocupação enorme se seríamos capazes de alimentar tantas pessoas. A população duplicou e, de uma forma geral, está mais saudável. Melhorias na agricultura são em parte responsáveis por isso, a Revolução Verde foi um preço a pagar por isso. O pico do aumento da população será atingido ainda neste século e, depois, a curva será descendente. A emancipação da mulher, os métodos de contracepção, melhores cuidados de saúde contribuíram para isso. Em 2100, teremos menos humanos a habitar no planeta. É claro que ainda há fome, mas estes episódios são geralmente causados por más decisões políticas, conflitos e problemas logísticos para transportar comida de um lado para o outro. Não temos fome porque há pessoas demais no mundo. Mas não se ouve falar nisso, as pessoas continuam a gritar “emergência, catástrofe”! Mas a realidade é que a sociedade está a fazer algo, sim. Os meios de comunicação que cobrem a crise climática prestariam um melhor serviço se fossem mais cooperativos, colaborativos, e menos agressivos.
Os meios de comunicação são também um ecossistema ameaçado, sem um modelo de negócio robusto. Competimos por cliques e atenção. A gritaria a que se refere é um sintoma disso?
As pessoas já estão a caminhar em direcção a um modo de vida mais sustentável. Alguns gritos podem ajudar, mas se gritarmos muito alto a maioria das pessoas simplesmente vai tapar os ouvidos. Acredito que aquilo que convencerá as pessoas a fazerem a coisa certa é a persuasão gentil. Veja o exemplo do comunicador de ciência David Attenborough, de 96 anos. O documentário Life on Earth [exibido em 1979 na BBC] foi uma das coisas que me inspiraram a escrever este livro. E que me influenciou na adolescência a fazer ciência. E, se olharmos para um dos seus documentários mais recentes, veremos que Attenborough fala da poluição nos oceanos mostrando uma tartaruga com um pedaço de plástico. Attenborough não grita, ele fala de um modo calmo. Mostra em vez de falar. Esta imagem da tartaruga conseguiu mudar mais políticas públicas do que toda a gritaria junta.
Escreveu num artigo publicado na revista Scientific American que os humanos estão condenados à extinção. Porquê?
Talvez por ser um paleontologista, e daí ter uma perspectiva diferente do tempo, tenho uma visão muito pessimista da humanidade a longo prazo. Há três factores que me levam a pensar que estamos destinados ao colapso: temos pouca variação genética, estamos a destruir o nosso habitat e a fertilidade humana está em declínio. Durante as últimas décadas, a qualidade do esperma humano caiu muito. Não sabemos as razões. Pode ser a poluição – que está ligada à destruição do habitat –, pode ser o stresse causado por vivermos amontoados em cidades. Mas acho que o que mais vai contribuir para o nosso colapso é o facto de estarmos a ficar sem recursos. A humanidade vai responder a este desafio como sempre respondeu no passado, poupando e fazendo render recursos cada vez mais escassos. Mas a longo prazo, mais cedo ou mais tarde, o Homo sapiens estará fadado à extinção.
O livro chama-se A Vida na Terra mas é uma obra que gravita à volta do tema da extinção. Escreve, aliás, que a própria vida no planeta tem um prazo de validade de mil milhões de anos. Há beleza na extinção?
Não sou budista nem nada do género, mas vejo a extinção como parte da vida. É a ordem natural das coisas. Por isso acho graça quando as pessoas falam em salvar o planeta… a Terra vai subsistir, isso é uma certeza. A humanidade é que não. À luz da escala de tempo geológico, o legado humano será um nada. Então o que nos resta, no tempo em que andamos por cá, é tornar a nossa existência efémera o mais agradável possível, para nós e para as demais espécies.