A menstruação não é um capricho, lamento desapontar os cépticos. Muitas pessoas gostariam que assim o fosse. Afinal, a menstruação é também uma agravante de desigualdades sociais, profissionais, educacionais e económicas.
Esta semana, a proposta orçamental apresentada por Rui Tavares veio clarificar a lei que já colocava alguns produtos de higiene menstrual no escalão mais baixo do IVA. Assim, todos os bens utilizados para higiene menstrual passam a ser taxados a 6%, independentemente do material de que são feitos. Desta forma, cuecas menstruais e outros produtos reutilizáveis de tecido vão, pela primeira vez, ser taxados também a 6%. Assim, o chamado “imposto tampão” aproxima‑se cada vez mais do mínimo de 5% imposto pela União Europeia.
A mensagem que se procura passar é, de facto, positiva. Subitamente, falamos abertamente de menstruação – uma condição biológica que acarreta as suas próprias desigualdades, inclusive económicas. Falo da pobreza menstrual, a incapacidade para suportar os custos de produtos de higiene íntima.
Assim, após a apresentação desta proposta, o único factor que parece passar a importar em matéria de cuidados de higiene feminina trata-se de uma escolha individual. Ou será?
Num estudo de 2020, cerca de 17% das inquiridas num universo de 445 mulheres portuguesas revelaram ter dificuldades na compra de produtos de higiene menstrual. O mais chocante é que as inquiridas não pertenciam a uma amostra que revelasse carências económicas, sublinhando como o problema é transversal e estrutural.
No mesmo artigo, dá‑se conta dos resultados de um estudo sobre a igualdade de género e políticas fiscais na UE levado a cabo, em 2019, pelos eurodeputados Marisa Matias e Ernest Urtasun. Após a análise dos dados do Plan International UK, concluiu-se que uma em cada dez raparigas não tinha meios para adquirir bens de higiene feminina, o que colocava em risco a sua assiduidade e participação na escola. O Reino Unido, em 2019, estava em 13º no ranking do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH).
Deste modo, há uma conclusão que é extraída de todos os estudos sobre o tópico, seja no Reino Unido, seja na África Subsariana: a pobreza menstrual ainda não foi erradicada. Além disso, é responsável por afectar a higiene, saúde e bem-estar e, por isso, o quotidiano e a qualidade de vida de quem menstrua.
No entanto, a pobreza menstrual passa também pela falta de acesso a água e saneamento, especialmente, quando falamos da lavagem e esterilização de produtos como bens higiénicos reutilizáveis – sejam pensos de tecido, ou o copo menstrual. Assim, por mais bem‑intencionados que sejam os esforços de combate ao desperdício e poluição provocados por produtos menstruais, a sustentabilidade é um privilégio que deve ser pesado, quando procuramos ajudar pessoas em situações de pobreza extrema como pessoas em situação de sem‑abrigo.
Apesar da durabilidade dos produtos reutilizáveis em comparação com produtos descartáveis, relatos de mulheres que integram a associação CRESCER dão conta desta situação. Estas são algumas das situações que pecam por ainda não terem sido endereçadas, discutidas e solucionadas, dado que, por mais kits de higiene que sejam distribuídos, menstruar na rua ainda é uma realidade.
Pela falta de acesso a produtos menstruais, muitos indivíduos têm de se contentar com pedaços de tecido, jornais, cartão e tudo o que possa absorver a vergonha que lhes corre pelas pernas. Por esta razão, a pobreza menstrual torna-se também um problema de saúde, dadas as infecções vaginais ou urinárias recorrentes, as insuficiências renais desenvolvidas, bem como casos de choques sépticos, infertilidade ou até morte que resultam da falta de cuidados de higiene adequados.
Sim, muito do trabalho passa ainda por investir em literacia menstrual e normalizar a menstruação, pondo um ponto final ao tabu. Além disso, estudos neste domínio – como o que foi recentemente proposto pelo Livre – são importantes para compreender as assimetrias acentuadas pela menstruação, os quadros sociais e geográficos díspares, bem como os desafios com que pessoas que menstruam se deparam. Este é um dos caminhos mais importantes para se delinear medidas acertadas no combate à pobreza menstrual.
Outros caminhos passam por criar políticas sistémicas e transnacionais de combate à pobreza menstrual, em particular ao nível da União Europeia – como eliminar o “imposto tampão” –, mas também políticas municipais que demonstram uma taxa de sucesso superior em comparação a políticas nacionais.
No entanto, existe outro caminho que ninguém parece estar disposto a percorrer. Ao aceitarmos como premissa que os produtos de higiene menstrual são um direito e não uma comodidade, esta discussão deverá ir além da redução da taxa do IVA. Assim, quando irá Portugal seguir os passos de outros países e impor na lei a gratuitidade sistémica dos bens de higiene menstrual? Afinal, ignorar a pobreza menstrual é, mais uma vez, condicionar quem menstrua às periferias da sociedade.
Caros cépticos, a menstruação não é opcional e, como tal, a saúde feminina não deveria ser encarada como secundária.