Edifícios +Sustentáveis: um sucesso para uns, uma “corrida de obstáculos” para outros

Segunda fase do programa governamental, que visava ajudar os portugueses na realização de obras que melhorassem a eficiência energética das suas casas, encerrou a 2 de Maio.

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O programa recebeu 106 mil candidaturas, das quais cerca de 26 mil foram consideradas elegíveis até ao final da manhã do dia 4 de Maio DANIEL ROCHA

Margarida Gouveia, residente na Damaia, em Lisboa, já queria apetrechar a sua casa, onde vive com o marido e os seus dois filhos, “há algum tempo”. Além de não abafarem o ruído dos carros que passam pelo IC19, as janelas que a bancária tinha “abanavam” sempre que se fazia sentir “uma rajada mais forte”.

A família demorou a obter dinheiro para fazer obras, mas concorreu à segunda fase do Edifícios +Sustentáveis — programa de apoio que encerrou a 2 de Maio e tinha como objectivo ajudar os portugueses na realização de obras que melhorassem a eficiência energética das suas casas — no Verão do ano passado. Em Julho, Margarida gastou “4300 euros” em “cinco janelas topo de gama e três portas”, uma das quais dupla. A 28 de Dezembro, recebeu a confirmação, via e-mail, de que a sua candidatura havia sido avaliada positivamente e seria reembolsada em “1500 euros”.​

“É pouco, tendo em conta o que investi? Talvez, mas é melhor do que nada”, diz, realçando que a sua casa está “finalmente preparada para o Inverno”.​

Segundo a bancária, a empresa que instalou as janelas viria também a fazer obras na casa da vizinha e, ainda, nas de duas outras amigas. As três concorreram ao Edifícios +Sustentáveis porque viram o estado em que ficou a habitação de Margarida e ficaram impressionadas. “Estão todas satisfeitas. Nota-se bastante a diferença”, relata.

O problema do programa, aponta, era que primeiro os candidatos tinham de “investir na totalidade” e só depois — se a candidatura fosse aceite —, recebiam o apoio. Havia, sintetiza, um elemento de “incerteza”. Ainda assim, Margarida diz que o nível de conforto com que vive hoje justifica o risco e todo o dinheiro investido. “Correu bem o processo. E repetiria”, afirma.

O mesmo não diz João Couto. Em 2018, o cineasta e a sua companheira, Joana, mudaram-se para “um prédio dos anos 1920 nos Anjos”, antiga freguesia do concelho de Lisboa. Quando Joana engravidou, o casal quis “mudar a janela daquele que viria a ser o quarto do bebé”, bem como “as janelas das salas” de estar e jantar e “as portas da varanda”.

João e Joana fizeram a adjudicação da obra em Maio de 2021 e concorreram ao Edifícios +Sustentáveis em Agosto, mês em que as janelas foram instaladas. João destaca que “uma pessoa só conseguia terminar a candidatura” depois da realização das obras, pois tinha de enviar fotografias do “antes” e do “depois”. Em Setembro, o casal recebeu um e-mail “a dizer que a candidatura tinha sido recebida” e “nunca mais” pensou no assunto.

Até Dezembro. “Três dias antes do Natal”, novo e-mail: a candidatura fora “anulada”, pois João e Joana não haviam respeitado os “cinco dias” estipulados para “entregar a documentação em falta”. O problema: eles não sabiam que documentação era essa. “Ninguém avisou. Ninguém mandou e-mail, ninguém telefonou, ninguém disse nada.”

Joana decidiu “telefonar para o Fundo Ambiental” — foi do Fundo Ambiental (e, posteriormente, do Plano de Recuperação e Resiliência) que proveio a dotação do programa, orçado em 96 milhões de euros. Atendeu um “senhor muito simpático”, que culpou “problemas no sistema”. Os candidatos, explicou-lhe, não estavam a receber a comunicação de que necessitavam de “corrigir coisas”.

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Central de painéis fotovoltaicos em Vaqueiros, freguesia de Alcoutim NUNO FERREIRA SANTOS

João e Joana, que não haviam “anexado um recibo”, tiveram de pedir para a sua candidatura ser reaberta. E Joana teve ainda de “ir ao Portal das Finanças e à Segurança Social Directa dizer que autorizava o Fundo Ambiental” a comprovar que a sua situação fiscal estava regularizada.

Joana só fez isso porque o “senhor simpático” lhe disse que tinha de o fazer. No site em que foi feita a candidatura, queixa-se, não havia essa indicação. “Se não nos tivessem dito, num telefonema informal, que tínhamos de fazer aquilo, a candidatura teria sido anulada pela segunda vez — e, muito provavelmente, de forma definitiva”, comenta.​

Reaberta e corrigida a candidatura, o casal recebeu, “no início de Março”, “70%” do dinheiro que havia gasto. Só depois de finalizado o processo é que João e Joana puderam “descansar”.

João diz que, apesar de a casa “continuar fria” — “É uma casa velha. Teríamos, também, de mudar o chão e as janelas da fachada traseira. Isso ficou para depois, porque não tínhamos dinheiro para fazer tudo ao mesmo tempo”, refere —, as obras trouxeram uma melhoria. Mas queixa-se de um processo que o casal descreve como “uma corrida de obstáculos”.

O cineasta descreve o site da candidatura como “pouco intuitivo, tanto ao nível da navegação como do preenchimento”. E lamenta que, como os candidatos tinham de avançar com o dinheiro, o Edifícios +Sustentáveis terá ajudado apenas uma franja reduzida da população (ao todo, o programa recebeu 106 mil candidaturas, das quais cerca de 26 mil foram consideradas elegíveis até ao final da manhã do dia 4 de Maio). “Pessoas com rendimentos mais baixos mantiveram-se em pobreza energética”, critica.

Com o Vale Eficiência, “está toda a gente menos mal, mas ninguém está bem”

Para pessoas que beneficiem do desconto da tarifa social, decorre ainda o Vale Eficiência. Ao abrigo desse programa de apoio, o Governo pretende conceder 20 mil cheques de 1300 euros (mais IVA) para a realização de obras que melhorem a eficiência energética das habitações.

O programa tem conhecido uma vida atribulada, contudo. Em Março deste ano, o Ministério do Ambiente e da Acção Climática anunciou que, dos 5020 vales até então concedidos pelo Governo, apenas 438 haviam sido usados.

João Pedro Gouveia, engenheiro do ambiente que coordenou a equipa de avaliação do Edifícios +Sustentáveis e está, similarmente, a coordenar a do Vale Eficiência, sente que não está a ser comunicado da melhor forma “um programa que pode ajudar muita gente”. Mas admite também que “1300 euros mais IVA é, realmente, muito pouco”. O dinheiro, diz, dá talvez para uma pessoa investir em duas janelas e alguns painéis fotovoltaicos. “É suficiente para tirar alguém de uma situação de pobreza energética? Não”, comenta.

Se o número de apoiados fosse ligeiramente menor e o montante atribuído a cada apoiado fosse ligeiramente maior, talvez o programa estivesse a ter mais sucesso, acredita João Pedro Gouveia. “Acho que o Governo olhou para a quantidade de dinheiro que podia injectar no programa e preferiu tentar ajudar o máximo possível de pessoas. Mas a estratégia não está a surtir o efeito desejado”, opina. “Está toda a gente menos mal, mas ninguém está bem.”