Professores doentes não sabem o que fazer à vida se propostas do ministério forem por diante

Como tornar a vida num inferno pior do que já é para muitos professores em mobilidade por doença? Duas professoras dão o seu testemunho.

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Novo regime proposto pelo ME obrigará muitos docentes a recorrer a baixas médicas Nelson Garrido

Susana Ferreira, professora de Educação Especial, teve poliomielite em criança que lhe deixou sequelas para a vida, impondo limitações severas à sua capacidade de mobilidade. Subir escadas ou percorrer distâncias longas são movimentos que, por exemplo, se lhe tornaram praticamente impossíveis.

Acontece que a escola de Setúbal, onde entrou para o quadro há cerca de seis anos, está organizada em blocos, cada um com dois andares e sem nenhum elevador. “É muito complicado para mim movimentar-me, há salas onde simplesmente não consigo ir, fico muito limitada”, descreve esta docente de 58 anos. Como é professora de Educação Especial tem de acompanhar os alunos ao seu cuidado em várias salas, espalhadas por vários blocos, passando o dia “a andar de trás para a frente e de frente para trás”.

Foi esta situação que a levou a pedir a mobilidade por doença, através da qual tem conseguido ficar colocada numa escola “com todas as condições de acesso para pessoas com mobilidade reduzida”. Acontece que esta escola fica na mesma cidade daquela em que pertence aos quadros e, por isso, arrisca-se agora a ser recambiada para as escadas e distâncias entre blocos.

É o que sucederá se a proposta de alteração do regime de mobilidade de doença avançada pelo Ministério da Educação (ME) for por diante, já que passarão a ser proibidas as colocações em escolas que fiquem a menos de 25 quilómetros da sede do agrupamento a cujo quadro pertençam os professores doentes. No caso de Susana Ferreira, a distância entre as duas é de cerca de três quilómetros. “Estou muito preocupada. Não sei se fisicamente vou conseguir”, desabafa esta docente a propósito deste regresso imposto à sua escola de origem.

A mobilidade por doença, só acessível aos docentes do quadro, permite que os professores fiquem colocados junto da sua casa ou do local de tratamento, quando têm patologias graves ou familiares próximos nesta situação. Actualmente são cerca de 10 mil os professores abrangidos por este regime, cuja alteração por proposta do ME levou já a duas rondas negociais, a última das quais nesta segunda-feira, tendo os 12 sindicatos e federações sindicais de professores manifestado a sua oposição.

No essencial alegam que fica posto em causa o direito de protecção que deve ser propiciado aos docentes com doenças incapacitantes. Os sindicatos já requererem a abertura de uma negociação suplementar, que o ME terá obrigatoriamente de aceitar.

O filho ou a escola?

Paula Neves, professora de Física e Química, também se confessa “muito preocupada” com o que lhe irá acontecer na sequência das mudanças do regime de mobilidade por doença, que tornarão inviável o exercício da profissão que escolheu há 25 anos. Esta docente está colocada ao abrigo daquele regime por ter um filho com um grave problema de autismo e com uma deficiência profunda, atestada em 90% pelo certificado multiusos de que é titular.

“É completamente dependente para tudo. Para se vestir, lavar, comer. Tem de usar fraldas e precisa de ter alguém consigo em permanência”, descreve. O filho tem hoje 22 anos, passa os dias numa instituição, cujos funcionários vêem-no buscar a casa às 08h15 e entregar às 17 horas.

Para garantir a sua presença em casa, esta docente tem concorrido à mobilidade por doença há 18 anos e há 13 que consegue lugar no mesmo agrupamento de Cantanhede, que fica a 10 quilómetros da sua residência. Tem quatro turmas a que dá aulas e garante uma série de coadjuvações, assegurando assim um horário lectivo completo. Pela mesma razão de Susana Ferreira, arrisca-se a voltar à sua escola de origem, em Mortágua, por uma estrada cheia de curvas que lhe custará cerca de duas horas de deslocação diária.

“Se tiver de ir não sei como vou conseguir conciliar os horários com o meu marido de modo que, em casa, o Gabriel tenha sempre um de nós com ele. E desistir do trabalho não é opção. Com todas as despesas que temos com ele não conseguimos viver só com um ordenado”, relata. Se a mudança proposta for por diante, esta professora sabe que terá de recorrer a baixa médica para assegurar as suas responsabilidades para com o filho: “A minha cabeça não vai ficar nada bem.”

“Não conseguimos compreender as razões pelas quais o ministério não cede nesta imposição dos quilómetros e o ME também não as explicou nas duas sessões negociações já realizadas”, comenta a presidente da Associação Sindical de Professores Licenciados (ASPL), Fátima Ferreira. Que traça aqui a sua linha vermelha: “Com esta limitação dos quilómetros não temos possibilidade de dar qualquer aval à proposta do ministério. É impeditivo.”

A dirigente sindical alerta ainda que, como tantas vezes tem sucedido com as acções do ME, também esta “vai ter um efeito contrário” ao pretendido: assegurar mais professores a darem aulas. O que vai acontecer é que haverá mais docentes a recorrer a baixas médicas, contrapõe.

A ASPL entregou ao secretário de Estado da Educação António Leite, que tem conduzido as negociações, os resultados de um levantamento das situações de mobilidade por doença entre os seus associados. Em que se conclui que 99% destes docentes estão nas escolas a “a assegurar serviço lectivo, para além de outras actividades”. Pelo que “o argumento da falta de professores, apontado pelo ME, não serve para fundamentar o impedimento ou o aumento das restrições que o ministério pretende impor à mobilidade por doença”.

Neste seu estudo, a ASPL destaca ainda que “a estabilidade das equipas educativas que o ME aponta ser necessário, vai precisamente sofrer rudes golpes, dado que mais de 80% destes docentes estão nas mesmas escolas há vários anos”.

No final das rondas negociais desta segunda-feira, a Federação Nacional de Professores (Fenprof) alertou que o ME “parece querer moralizar a situação” de alegados abusos na mobilidade por doença “da pior forma: impondo normas que deixarão sem protecção professores que dela necessitam. Também a Federação Nacional da Educação (FNE) apontou no mesmo sentido.

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