Relatório: supermercados europeus dizem que querem combater o plástico, mas não cumprem

Cerca de 20 organizações não-governamentais analisaram as práticas de 130 retalhistas em 13 países europeus e concluíram que estes estão a fazer muito pouco para abdicar das embalagens de plástico ou apostar na sustentabilidade. Por mais que, em público, digam que querem fazer parte da solução.

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Adriano Miranda

“Algumas das maiores redes de retalho da Europa parecem apenas discutir o problema [da poluição plástica] levianamente, enquanto nos bastidores pressionam para atrasar a acção e confundir os consumidores e decisores políticos sobre o seu papel na crise do plástico.” Eis o que se pode ler nos primeiros parágrafos de um novo estudo, divulgado esta terça-feira, que teve como objectivo avaliar quantitativamente os supermercados europeus em termos daquilo que têm feito para combater a poluição através do plástico. A principal conclusão: até ver, têm feito muito pouco.

A investigação foi liderada pela Changing Markets Foundation, organização não-governamental (ONG) que assume como missão “expor práticas corporativas irresponsáveis e impulsionar mudanças para uma economia mais sustentável”. No relatório divulgado esta terça-feira, cerca de 20 ONG ligadas ao movimento global Break Free From Plastic — que a Changing Markets Foundation também apoia e ao qual surge associada — contactaram, entre Junho e Dezembro do ano passado, 130 retalhistas em 13 países europeus (incluindo Portugal). Queriam que estes respondessem a um questionário que avaliaria a transparência de cada supermercado, os seus compromissos no combate à poluição plástica e, ainda, o seu eventual apoio à implementação de políticas sustentáveis.

“Apenas 39 retalhistas responderam por escrito ao questionário e uma grande parte não respondeu a todas as perguntas feitas”, pode ler-se no estudo. Confrontadas com um número reduzido de respostas, as quase 20 ONG (entre as quais a portuguesa Sciaena) investigaram “mais aprofundadamente” as “políticas” de 74 dos retalhistas contactados, concentrando-se naqueles com “maior volume de negócios e uma presença em pelo menos dois países europeus”.

A pontuação média global alcançada pelos retalhistas foi de “apenas 13,1 pontos”. 13,1 em 20? Não, 13,1 em 100. Apenas o Aldi no Reino Unido (65,3%) e o Aldi na República da Irlanda (61%) obtiveram uma classificação acima dos 60%. Um total de 14 empresas não receberam qualquer ponto — e o Intermarché em Portugal faz parte desse lote.

Pouca transparência e “baixa ambição”

Olhemos para as três categorias do relatório uma a uma. Na secção “transparência e desempenho”, foi avaliado “o nível de abertura” por parte de cada supermercado “à divulgação de dados” sobre a sua actividade. Também foi tida em conta a pegada de plástico dos seus produtos de marca própria, assim como foi considerado “o desempenho dos retalhistas no que diz respeito à quota de embalagens reutilizáveis e conteúdo reciclado” nas suas prateleiras.

“O desempenho global nesta secção foi muito fraco, representando apenas 7,1% do total de pontos alcançados em média”, lê-se no relatório, em que é também dito que 82% das empresas avaliadas “não forneceram sequer a informação mais básica sobre a sua pegada plástica”. Mais: apenas 13 empresas providenciaram números sobre o “conteúdo global reciclado” dos seus produtos de marca própria. E 61 retalhistas “não reportaram qualquer conteúdo reciclado nas suas embalagens”.

Dentro da categoria “compromissos”, foi avaliado, justamente, o tipo de compromissos que os diferentes supermercados têm relativamente à redução da venda de embalagens de plástico, à “introdução de conteúdo reciclado” e à aposta na reutilização. “O desempenho médio nesta secção foi de 17,1% dos pontos máximos disponíveis”, indica-se no estudo, que descreve “baixa ambição em reduzir significativamente as embalagens de plástico”.

Também na última secção, designada “apoio à política governamental” e no âmbito da qual foi investigada “a posição dos retalhistas relativamente a políticas” que, junto dos cidadãos, visem incentivar a adopção de comportamentos mais sustentáveis, os resultados foram “decepcionantes”.

“As pontuações médias obtidas nos 13 países foram, em geral, muito baixas”, é sintetizado no relatório. Olhando para a pontuação dos retalhistas por país, os britânicos conseguiram a melhor percentagem (39,6%), seguidos dos franceses (23,3%) e dinamarqueses (17,1%). Em território português, foram avaliados cinco retalhistas: Aldi, Auchan, Intermarché, Jerónimo Martins e Lidl. A Jerónimo Martins conseguiu ficar com o 20.º lugar no ranking, mas não obteve uma pontuação muito expressiva (apenas 17,7 valores em 100).

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Números relativos à análise aos supermercados portugueses Scieana

Há soluções à vista — mas o caminho a traçar será longo

“Abismais” é o adjectivo que é usado no estudo para se definir estes resultados. Mas esta não tem de “​continuar a ser a realidade”, sugere a Changing Markets Foundation, que “combinou as melhores respostas do questionário para criar um supermercado fictício, conjugando as melhores práticas dos supermercados europeus” avaliados. Esse supermercado fictício conseguiria “uma pontuação total de 82,7%”.

“Os compromissos em torno da reutilização foram um grande ângulo morto, uma vez que nenhum dos retalhistas obteve um bom desempenho, mas grande parte das outras questões foi considerada bem abordada por, pelo menos, um retalhista existente, o que significa que, simplesmente combinando as práticas existentes, os supermercados poderiam melhorar o seu desempenho”, reflecte-se.

O caminho a traçar será longo, no entanto. Até porque, afirma a Sciaena num comunicado sobre o relatório emitido também esta terça-feira, foram descobertas “discrepâncias muito grandes nas pontuações dentro dos próprios grupos internacionais de retalho”, o que, argumenta a associação portuguesa, revela “uma enorme falha de gestão holística e integrada dentro dos grupos multinacionais”.

“Mesmo os supermercados com melhor desempenho têm dois pesos e duas medidas quando se trata de enfrentar a crise do plástico”, considera Nusa Urbancic, da Changing Markets Foundation. As cadeias de distribuição alimentar Aldi e Lidl, refere, exemplificando, “tiveram um bom desempenho no Reino Unido e na Irlanda, mas mostram fracos resultados em Espanha, na Alemanha e em outros países onde operam”.

Tais diferenças, defende Urbancic, “não podem ser explicadas através de diferentes legislações nacionais e mostram que nenhum dos retalhistas está a responder à crise do plástico com a urgência que esta situação exige”. “Em vez de investirem em soluções sistémicas, tais como sistemas de redução e reutilização do plástico, verificou-se que os retalhistas estavam a fazer greenwashing e a colocar entraves à legislação”, afirma.

Poucas respostas de Portugal

A Sciaena critica o facto de nenhum dos cinco grupos de retalho analisados em Portugal ter fornecido “respostas significativas às questões colocadas”. A associação diz que todos “revelaram uma enorme falta de transparência na divulgação de dados quantitativos sobre a sua pegada plástica, assim como no seu posicionamento face ao apoio a medidas de mitigação”. A associação portuguesa também acusa o grupo Mercadona de, em Espanha, apostar no greenwashing e em falsas soluções através da substituição ou do rebranding dos seus itens de uso único por alternativas igualmente descartáveis.

“Os supermercados europeus desempenham um papel extremamente importante na poluição plástica, mas, em grande parte, têm sido livrados do escrutínio público”, lê-se no sumário do relatório, em que se indica que “são poucas as empresas que fazem esforços sérios para”, por um lado, “reduzir a utilização de plástico nas suas próprias embalagens (e em outras embalagens de utilização única)” e, por outro, implementar “modelos de negócio mais amigos do ambiente, que coloquem em destaque os sistemas de reutilização”. A Changing Markets Foundation critica o facto de, ao invés de dar “prioridade aos sistemas de prevenção e reutilização de resíduos”, a maioria dos retalhistas continue a pensar mais na reciclagem dos produtos que vende.

A Changing Markets Foundation já tinha, em 2020, feito uma investigação em torno do plástico. Olhou para as empresas que são consideradas as dez maiores poluidoras de plástico no mundo — Coca-Cola, Colgate-Palmolive, Danone, Mars Incorporated, Mondelēz International, Nestlé, PepsiCo, Perfetti Van Melle, Procter & Gamble e Unileve — e chegou a uma conclusão idêntica àquela a que chega agora neste seu relatório sobre os supermercados: por mais que tentem cultivar uma imagem favorável e digam que querem ser parte da solução, fazem tudo o que está ao seu alcance para atrasar ou travar legislação que as obrigue efectivamente a mudar​.