Varíola-dos-macacos: “Estamos a falhar em termos de comunicação”, diz Raquel Duarte

Debate PSuperior sobre a importância da ciência e da saúde abordou a varíola-de-macacos, a covid-19 e os seus desafios de comunicação.

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Da esquerda para a direita: Teresa Firmino, Helena Canhão, João Gonzalez, Miguel Prudêncio e Bruno Dias. Raquel Duarte, em cima, não pôde estar ao vivo no debate Rui Gaudêncio

Entre uma pandemia que ainda não terminou e uma nova doença que está a preocupar as autoridades de saúde, a ciência e a medicina continuam a ser chamadas para responder a questões sanitárias. O actual surto de varíola-dos-macacos é a mais recente emergência a nível de saúde, a nível científico e, também, a nível comunicacional. E pode estar a gerar problemas.

“Estamos a falhar em termos de comunicação”, assumiu esta segunda-feira, referindo-se ao vírus da varíola-dos-macacos, a pneumologista Raquel Duarte, antiga secretária de Estado da Saúde e uma das especialistas que aconselhou o Governo durante a pandemia de covid-19, durante um debate do PSuperior, um projecto de literacia do PÚBLICO. “É importante que as pessoas saibam como se dá a transmissão do vírus da varíola-dos-macacos [também conhecido como VMPX, vírus monkeypox]. Durante o período que as pessoas têm as vesículas podem transmitir o vírus.”

Apesar de ser muito menos transmissível do que o SARS-CoV-2, o VMPX pode ser transmitido por gotículas emitidas pelo doente, pelo contacto directo com a pele ou com objectos usados pelo doente, como lençóis. Os primeiros casos em Portugal foram detectados numa clínica ligada a doenças sexualmente transmissíveis, em homens com idades entre os 20 e os 50 anos. Na última sexta-feira, o secretário de Estado Adjunto da Saúde, Lacerda Sales, disse que a varíola-dos-macacos é “uma doença de comportamentos de risco” e não de “grupos de risco”, onde se subentende uma referência a homens que têm sexo com homens.

No entanto, Raquel Duarte é directa em relação a esta questão. “A infecção pode acontecer com uma série de actividades, independentemente das nossas preferências sexuais”, refere. É importante “que toda a gente tenha a percepção de risco”, acrescenta, referindo que é preciso identificar o doente e os contactos que teve. “Qualquer um de nós pode ficar infectado. Qualquer um de nós deve ter cautela.”

Com o título “O poder da ciência nos progressos da medicina mudará as nossas vidas?”, o debate contou com o apoio da farmacêutica Bial e da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa (UNL), onde decorreu a conversa.

Apesar da pergunta no título, a resposta é unânime: a ciência já desenvolveu ferramentas que a medicina utilizou para salvar milhões de pessoas. “A vacina da varíola [humana] foi a primeira vacina no mundo”, recordou Miguel Prudêncio, cientista e líder de uma equipa de investigação no Instituto de Medicina Molecular da Faculdade de Medicina de Lisboa. “A varíola é a única doença infecciosa que está declarada erradicada graças à vacina.”

No entanto, a dinâmica das doenças muda o panorama. As vacinas contra o SARS-CoV-2 já não respondem tão bem em relação às novas variantes do vírus. Irá a ciência conseguir actualizar-se? “Há prazos mínimos que têm de ser cumpridos para a validação da vacina”, explicou Miguel Prudêncio. “Não é possível pôr uma vacina cá fora assim que haja uma nova variante.”

Por outro lado, o cientista sublinhou que as vacinas actuais, apesar de não serem tão boas a bloquear a transmissão das novas variantes, continuam a produzir uma reacção imunitária capaz de minimizar os efeitos nefastos da doença. “As vacinas que estão disponíveis cumprem o seu maior objectivo, que é a protecção das formas graves da doença”, assegurou. Este pode ser um argumento para não aplicar medidas de confinamento, mesmo com o número alto de novos casos de covid-19 do país.

“Há um consenso generalizado de que se estivermos em espaços fechados, em que a transmissibilidade pode ser maior, devemos usar as máscaras. Voltar a um confinamento tem outros problemas, quer económicos quer sociais. Temos outras formas de lidar com a doença do que voltarmos a casa”, referiu Helena Canhão, directora da Faculdade de Ciências Médicas da UNL.

Para Raquel Duarte, é importante começar a preparar o próximo Inverno: voltar a sensibilizar a população idosa e mais vulnerável para o reforço da vacina da covid-19, promover comportamentos de cuidado que minimizem a transmissão, como o uso de máscaras, e melhorar a ventilação do ar interior dos edifícios. “Faz parte da competência das estruturas garantir que os trabalhadores e os estudantes estão em espaços com qualidade de ventilação”, disse.

O painel contou ainda com Bruno Dias, responsável pelo Departamento Médico da Bial Portugal, e João Gonzalez, estudante do 6.º ano do Mestrado Integrado em Medicina da Faculdade de Ciências Médicas. A conversa foi moderada pela editora de Ciência do PÚBLICO Teresa Firmino.

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