Festival Imaginarius estreia espectáculo a partir de várias obras de Saramago

A 21.ª edição do festival internacional de teatro de rua de Santa Maria da Feira, a decorrer entre 26 e 29 de Maio, vai evocar o centenário do nascimento do escritor português através de um percurso nocturno criado em torno do imaginário de “absurdo e fantasia” presente na sua obra.

Foto
Saramago estará em foco num percurso nocturno concebido pelo artista plástico Fábio Araújo Nuno Ferreira Santos

A 21ª edição do Imaginarius - Festival Internacional de Teatro de Rua de Santa Maria da Feira vai evocar o centenário do nascimento de José Saramago (1922-2010) com um percurso nocturno, através de momentos de “absurdo e fantasia” identificados na obra do escritor.

Adoptando um verso do autor distinguido em 1998 com o Prémio Nobel da Literatura, o espectáculo intitula-se Venham enfim as altas alegrias e terá três apresentações nos jardins da Biblioteca Municipal. É uma das seis estreias absolutas do festival, que acontece de 26 a 29 de Maio em praças, ruas, jardins, monumentos e outros espaços públicos de Santa Maria da Feira, com um programa composto por mais de 140 performances ou intervenções artísticas dinamizadas por 178 criadores de 16 países.

A direcção deste projecto dedicado a Saramago cabe ao artista plástico local Fábio Araújo que, tendo concebido parte dos textos e idealizado os materiais cénicos deste espectáculo encomendado pelo Imaginarius, conduziu uma residência artística com 10 estudantes do ensino secundário e universitário. Estarão em cena como performers, nos dias 26, 27 e 28.

Em entrevista à agência Lusa, Fábio Araújo confessou que trabalhar a obra José Saramago “nem sempre é fácil”. O artista é, na verdade, “um convertido” recente. “Na escola secundária tive que ler o Memorial do Convento, mas, apesar de ter achado graça à passarola, não fiquei impressionado com a obra, talvez porque naquela altura da vida ainda não temos maturidade para um livro assim. Mas depois, com este projecto, li outras obras de Saramago e agora conheço-lhe muito melhor o imaginário - que coloca questões absurdas, faz perguntas estranhas e tem muita fantasia”.

Venham enfim as altas alegrias começará com “um prefácio” que serve de introdução a nove pontos do percurso, como “numa viagem por diferentes estações e destinos que se iluminam” à medida que é referida a obra em questão. Para quem conhece as obras de Saramago, isso permitirá descobrir, por exemplo, um aquário em que o braço de Camões mantém à tona um exemplar de Os Lusíadas, numa evocação de Que farei com este livro?, peça de teatro escrita pelo autor português em 1980, ou uma bacia de zinco em que o banho se faz com sabonetes moldados com a forma da Península Ibérica, numa readaptação de A Jangada de Pedra.

Apesar das várias referências à obra de Saramago, Fábio Araújo disse à Lusa que este espectáculo “é também para quem nunca” a leu. E que assim pode começar a conhecê-la. Essa descoberta será incentivada nos pontos do percurso em que a literatura se cruza com outras referências culturais, como acontece quando as actrizes erguem uma coluna de livros numa alusão ao romance Todos os Nomes bem como ao mito da Torre da Babel.

Nesse sentido, o arranjo cénico para O Homem Duplicado​, outro livro-chave no currículo do escritor, foi tratado como a lenda de Narciso e, através de A Caverna, recuperar-se-á o filósofo Platão. “Os livros escolhidos para o percurso são muito diferentes”, refere o criador à Lusa, “mas repetem sempre o elemento de um certo absurdo, transportando o espectador para o mundo de fantasia de Saramago e suscitando, mesmo em quem nunca leu nada dele, curiosidade sobre a sua obra e o seu universo literário”.

A edição de 2022 do Imaginarius não é a primeira em que se presta homenagem ao escritor português. Em 2011, passou pelo festival The Blind, uma produção da companhia polaca KTO baseada em Ensaio Sobre a Cegueira. Dois anos depois, a companhia de teatro O Bando estreou o espectáculo Jangada de Pedra, na presença de Pilar del Río, companheira de Saramago.

Este ano, o Imaginarius não estará ancorado numa linha temática, como tem vindo a ser habitual. “Num tempo pós-pandemia, em que a sociedade anseia pelo respirar de um novo sentido de liberdade, entendeu-se oportuno deixar, sob o pretexto criativo, artistas e criadores desenvolverem e implementarem projectos que conduzam os diferentes públicos, por si ou colectivamente, a redescobrir a liberdade”, afirma a direcção no texto de enquadramento desta edição, que contará com “diversos blocos de programação” a arrancar num período pré-festival.

O programa principal conta com várias companhias e criadores de países como Espanha, França, Inglaterra, Portugal, Argentina ou Itália. Um dos destaques vai para uma produção de magie nouvelle, a Soirée Magique, da companhia francesa Cie 14:20, que, sob a direcção artística de Raphaël Navarro, trará a Santa Maria da Feira artistas emergentes “desta nova tendência do mundo da magia"; ou para o concerto-cabaret Red Wine Cabaret, do colectivo espanhol Sidral Brass Band. No que toca à criação nacional, estão agendadas estreias dos projectos Eu Fêmea, do Teatro do Mar, No Elbows on Table, do INAC - Instituto Nacional de Artes do Circo, e KINSKY – Roi des Rats, de Rui Paixão/Holy Clown, um dos criadores portugueses mais prolíferos e internacionais do clown contemporâneo e do teatro físico.

Notícia corrigida a 23/05, rectificando o nome do criador Fábio Araújo (e não Afonso, como erradamente escrevemos)

Sugerir correcção
Comentar