Fundação Oceano Azul propõe programa nacional para ligar oceanos e clima e investir no mar
A propósito da Conferência dos Oceanos das Nações Unidas, que decorre em Lisboa de 27 de Junho a 01 de Julho, administrador da Fundação Oceano Azul, Tiago Pitta e Cunha, fala sobre os desafios na frente do mar. Sobre Porugal queixa-se que faz falta um programa nacional de ciência para ligar oceanos e clima e investir no mar.
O discurso sobre a importância dos oceanos para o futuro da humanidade já é obsoleto, porque “o futuro já chegou”, alerta em entrevista à Lusa o administrador da Fundação Oceano Azul, Tiago Pitta e Cunha. A propósito da Conferência dos Oceanos das Nações Unidas, organizada por Portugal em conjunto com o Quénia e que decorre em Lisboa de 27 de Junho a 01 de Julho, o especialista em questões relacionadas com os oceanos adverte também que o estado do planeta não é compatível com continuar a falar de intenções.
A gerir uma fundação criada para contribuir para alcançar o objectivo de oceanos saudáveis e produtivos Pitta e Cunha fala do que espera daquele que será o maior evento da ONU alguma vez organizado sobre oceanos, mas lamenta também o pouco caso que se tem feito deles, considerando “balelas” o dizer-se que os oceanos são importantes para o futuro da humanidade.
O futuro é, nota, explicado pelos cientistas do Painel Intergovernamental sobre Alterações Climáticas (IPCC, na sigla original), cujos cálculos estabelecem que o prazo actual é até 2025 para chegar ao pico das emissões de gases com efeito de estufa, que depois terão de começar a ser reduzidas significativamente para que a temperatura não suba além de 1,5 graus celsius acima dos valores médios da época pré-industrial.
Temos de tomar medidas: um programa dedicado em Portugal
“Não há possibilidade de estarmos a discutir intenções, temos de tomar as medidas, temos de olhar para os oceanos e dizer: quais são as prioridades?”, afirma o administrador da Fundação Oceano Azul, que defende que não é possível separar os oceanos das alterações climáticas.
Tiago Pitta e Cunha afirma que é preciso uma governação eficaz e efectiva, criando por exemplo uma agenda comum da comunidade internacional, com as prioridades e as ordens de decisões dos oceanos.
Sobre Portugal, O administrador da Fundação Oceano Azul propõe a criação de um programa nacional de ciência para ligar oceanos e clima e investir no mar. Tiago Pitta e Cunha fala da importância estratégica dos oceanos para Portugal, desde a exploração de recursos biológicos como algas e bivalves, que considera matérias-primas do futuro, até a exploração de energia eólica “offshore” e ao transporte marítimo.
O especialista diz que é preciso que Portugal tenha uma estratégia e um plano para explorar a sua “economia azul”, mas investir também em áreas marinhas protegidas, para preservar a biodiversidade que resta e lembra o apoio da fundação nesta área. Desde a criação da maior área marinha com protecção total da Europa, nas Ilhas Selvagens (na Madeira) à proposta de criação de um parque marinho no Algarve e ao envolvimento na criação de novas áreas marinhas protegidas nos Açores.
Portugal como potência marítima
“A Fundação Oceano Azul não ficou à espera dos governos para começar a procurar impulsionar estes processos de criação de áreas marinhas protegidas”, diz Pitta e Cunha, que acredita que está a fazer o correcto para ajudar na saúde dos oceanos, assim os governos do planeta o façam também, a começar por Portugal, que deve compreender que pode tornar-se um país muito relevante do ponto de vista económico. A Fundação tem defendido que a bioeconomia azul terá um papel crucial na resposta a alguns desafios do mundo, criando mesmo um programa ("Blue Bio Value"), um acelerador de negócios em start-ups de biotecnologia azul.
O responsável acredita também que é possível Portugal chegar ao final da década como uma potência marítima como é a Noruega. Com uma diferença. Se a Noruega é uma potência marítima das pescas, da aquicultura, do petróleo e do gás natural, Portugal pode ser uma potência “do novo paradigma da economia do século XXI, que é a economia do ambiente e da conservação da natureza como parte da economia”.
“Nós temos um potencial gigantesco na alimentação a partir do mar, temos um potencial gigantesco na energia eólica “offshore” flutuante e temos o potencial de combinar as duas”, porque as plataformas onde assentam as turbinas eólicas poderiam servir para projectos de aquicultura de algas e bivalves. Essas turbinas com dupla função permitiriam a Portugal tornar-se produtor e exportador de energia e ao mesmo tempo criar tantas proteínas de algas e bivalves que o país poderia tornar-se, no futuro, “o verdadeiro celeiro submarino da Europa”, diz.
Gerar energia em alto mar
“Porque é que não avançamos para estas soluções e porque é que não fazemos biotecnologia?”, questiona o especialista, salientando que as turbinas vão gerar energia não poluente e os bivalves e as algas vão ajudar a desacidificar os oceanos removendo o carbono, “porque 40% de uma concha de bivalve é carbono”.
E gerar energia em alto mar, diz Pitta e Cunha, tem outra vantagem, a de estar mais próximo dos consumidores. Porque parques eólicos a 15 quilómetros da costa estariam próximos dos consumidores, que vivem maioritariamente junto da costa.
“Temos de começar a pensar nestes termos e temos de começar a passar das estratégias aos planos concretos, desenvolver estas áreas para tentar chegar a ser a dita potência do século XXI”, diz, incluindo nessas estratégias a biotecnologia, a que vai, diz, “criar uma grande revolução, não só económica, mas na forma de utilizarmos os recursos naturais do planeta”. Tiago Pitta e Cunha admite que há ainda muito a fazer na mudança de mentalidades em Portugal, incluindo na reciclagem ou na redução da produção de lixo.
Tiago Pitta e Cunha espera que a Conferência dos Oceanos tenha alguma utilidade nesta matéria de sensibilização dos portugueses, porque em Portugal os índices de responsabilidade ambiental “são muito baixos”, e diz que o país precisa, nesta área, de “meter uma mudança abaixo e acelerar a fundo”.
Dois minutos a pensar nos oceanos
A Fundação Oceano Azul gostava, diz, que houvesse na presente década uma grande cimeira de chefes de Estado e de governo que acordasse um compromisso político sobre as prioridades para os oceanos.
Tiago Pitta e Cunha diz que a maior parte dos decisores políticos “não perde dois minutos a pensar nos oceanos” e defende a criação de um IPCC para os oceanos. Porque o IPCC que existe teve “um papel fundamental” nos últimos 20 anos para conseguir levar os decisores políticos a tomarem decisões (sobre o clima) baseadas na ciência, mas só passou a considerar os oceanos em 2019.
Mas há outra prioridade, “olhar para as questões da descarbonização dos oceanos”, perguntar o que podem os oceanos fazer para descarbonizar o planeta. O especialista sugere as soluções baseadas na natureza, a gestão e uso sustentável dos recursos e o uso de processos naturais para fazer face aos desafios ambientais.
Além destas, o responsável fala também das soluções baseadas na economia, “porque a economia do mar, se for direccionada para a descarbonização, vai ser fundamental como alternativa às economias terrestres, que poluem muitíssimo”.
Proteínas de origem marítima
Tiago Pitta e Cunha usa a alimentação como exemplo, considerando que se é preciso alimentar mais 30% a 40% de pessoas até 2050, tal significa mais 30% a 40% de proteínas alimentares, que não podem vir da agricultura tradicional, que gera muitas emissões de carbono, pelo que a solução pode passar pelas proteínas de origem marinha.
Outra área fundamental é o sector dos transportes marítimos, responsáveis pela circulação de 90% do comércio global.
Apresar da necessidade de mudanças nos sistemas de propulsão dos transportes marítimos, que são uma parte importante do problema das emissões de gases com efeito de estufa, os transportes marítimos são parte da solução.
“Os navios são o meio de transporte energeticamente mais eficiente de todos os meios de transporte. Transportamos muito mais massa por navio no mar de que podemos transportar por avião, comboio ou carro. E porquê? Porque temos um serviço ecossistémico, e isto é que é inteligente”, afirma o especialista.