O aumento global da temperatura pode tirar-nos mais de 50 horas de sono por ano
Não falamos de sono perdido devido à chamada “ecoansiedade”. Falamos mesmo de uma relação entre o aumento global da temperatura e a deterioração do nosso repouso. Essa relação é explorada num novo estudo científico, que envolveu mais de 47 mil adultos e sete milhões de registos. O estudo sugere que, por volta de 2099, o aquecimento global possa provocar a perda de 50 a 58 horas de sono por ano.
Estamos bastante familiarizados com aqueles que são alguns dos principais impactos das alterações climáticas nas nossas vidas. Sabemos que fenómenos meteorológicos extremos, como ciclones tropicais ou inundações, podem desalojar comunidades e destruir terrenos agrícolas (e, claro, ser mortais), assim como sabemos que o aquecimento do planeta pode levar ao surgimento ou à propagação de várias doenças. Mas poderá o aumento global da temperatura perturbar actividades do nosso quotidiano? Poderá, por exemplo, afectar a qualidade do nosso sono?
Um estudo publicado esta sexta-feira na revista científica One Earth sugere que sim. Segundo uma equipa de investigadores liderada por Kelton Minor, da Universidade de Copenhaga (Dinamarca), estima-se que, por volta de 2099, o aumento global da temperatura seja responsável pela perda de 50 a 58 horas de sono por ano. Os principais visados deverão ser indivíduos residentes em países em desenvolvimento, pessoas mais idosas e mulheres.
Como é que se chegou a estes números e grupos populacionais? Os autores do estudo colocaram pulseiras equipadas com sensores nos pulsos de 47 mil adultos, residentes em 68 países distintos e todos os continentes (excepto a Antárctida). Tais pulseiras deram aos investigadores a possibilidade de monitorizar o sono de todas aquelas pessoas. Foram recolhidos sete milhões de registos.
Os resultados obtidos sugerem que, em noites marcadas por temperaturas muito quentes (mais de 30 graus Celsius), o sono dura cerca de 14 minutos menos do que o normal. Parece pouco? São 98 minutos ao longo de uma semana e pouco mais de sete horas ao longo de um mês. Refira-se que a maioria dos especialistas recomenda que as pessoas adultas durmam pelo menos sete horas por dia (sendo que a marca ideal é a marca das oito horas de sono diárias). Imagine que está num patamar relativamente saudável no que diz respeito ao seu repouso e que, todas as noites, dorme à volta de sete horas. Dormir 14 minutos menos do que o normal todos os dias é o mesmo que, uma vez por mês, passar uma noite às claras.
Muito calor, mais dificuldade em adormecer
Todas as noites, enquanto dormimos, ocorre a dilatação dos nossos vasos sanguíneos, o que leva a que os nossos corpos, que estão “estão altamente adaptados para manter uma temperatura estável”, libertem calor para o meio ambiente. A explicação é dada por Kelton Minor. O investigador adverte, no entanto, que, para isto acontecer, o meio ambiente tem de estar mais fresco do que nós.
Estudos realizados em laboratórios já tinham concluído que tanto os humanos como os restantes animais dormem pior quando a temperatura do seu local de repouso é demasiado quente ou fria. Mas, em condições que não sejam controladas por cientistas, as pessoas conseguem alterar a temperatura ambiente do quarto onde dormem, tornando-a mais propícia a um sono de qualidade.
A equipa liderada por Kelton Minor teve isto em consideração. Apenas equipou com as pulseiras os 47 mil adultos que acompanhou; não mexeu com os mecanismos de climatização dos seus quartos. O que se descobriu foi que parece ser muito mais fácil as pessoas adaptarem-se a temperaturas mais gélidas do que mais quentes.
As muitas monitorizações foram realizadas ao longo de diferentes estações do ano — e em diferentes regiões, caracterizadas por diferentes “contextos climáticos” — e apontam para a ideia de que “temperaturas externas mais quentes prejudicam o sono consistentemente”. Este prejuízo, pode ler-se no estudo, é tão mais pronunciado quanto mais intenso for o calor — que faz com que as pessoas não só tenham mais dificuldade em adormecer, como também despertem mais cedo que o normal ou pretendido.
Desigualdades e ventoinhas
Também é observado que, em noites muito quentes, o sono de pessoas residentes em nações em desenvolvimento parece ser pior do que o dos restantes indivíduos. É possível que isso tenha como explicação o facto de, nos países desenvolvidos, as pessoas terem mais facilidade em comprar ventoinhas, que as ajudam a tornar os quartos mais arejados. Mas os investigadores não têm certezas, uma vez que não recolheram dados sobre o acesso dos indivíduos monitorizados a aparelhos de ar condicionado.
Dado que os autores acabam de apresentar dados que, acreditam, mostram de forma convincente que o impacto do aumento global da temperatura na qualidade do sono não se faz sentir da mesma forma em partes do globo diferentes, eles defendem a importância de estudos futuros atribuírem uma atenção especial a populações mais vulneráveis, sobretudo aquelas que habitam as regiões mais quentes — e, historicamente, mais pobres — do planeta.
A equipa liderada por Kelton Minor diz que gostaria de colaborar com cientistas que estejam a estudar as alterações climáticas, investigadores do sono e fornecedores de dispositivos tecnológicos para aprofundar os seus estudos sobre este tema.