Google acede a dados de cada utilizador português 65 vezes por dia

Um relatório do Conselho Irlandês para as Liberdades Civis revela que o sistema de venda de publicidade online põe em causa privacidade. A Google é uma das grandes empresas envolvidas. Contactada pelo PÚBLICO, a empresa sublinha, no entanto, que não partilha “informação de identificação pessoal”.

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Em Portugal, o RTB leva a que as acções de cada utilizador sejam monitorizados 200 vezes por dia FILIPE ARRUDA

A Google acede e partilha dados sobre a localização e comportamento dos seus utilizadores milhares de milhões de vezes por dia. Tudo para vender anúncios. Nesta terça-feira, o Conselho Irlandês para as Liberdades Civis (ICCL) publicou um relatório que sugere que o sistema de anúncios online se baseia na vigilância em massa.

Em Portugal, por exemplo, o ICCL estima que o sistema leve várias empresas a aceder e partilhar dados sobre a localização e aquilo que uma só pessoa faz online 200 vezes por dia. A Google é responsável por 31% dos acessos — ou seja, a empresa verifica a localização e a actividade online de cada utilizador em Portugal cerca de 65 vezes por dia. A Microsoft é responsável por 6% dos acessos. Ao todo, os dados dos utilizadores europeus são vistos e partilhados por empresas no ramo da publicidade online 197 mil milhões de vezes ao dia. No centro do problema está o RTB — Real Time Bidding.

A Google, a Microsoft e outras empresas vendem espaço publicitário através de um processo conhecido por RTB (sigla inglesa para licitação em tempo real). Este é o processo através do qual as empresas colocam milhares de anúncios online, muitas vezes em segundos, via leilões automatizados que avaliam os interesses, gostos e hábitos online dos internautas que os vão ver.

“A Google é a maior empresa de RTB. A empresa rastreia e partilha o que os utilizadores nos EUA e na Europa fazem online e onde estão a uma enorme escala”, lê-se no relatório do ICCL. “O sistema de RTB permite a maior quebra de dados alguma vez registada.”

Um dos problemas é que a informação é partilhada com empresas na Rússia e na China que têm regras menos rígidas em torno da privacidade dos dados. “Não há qualquer forma de saber o que estas empresas fazem com os dados”, sublinha a equipa da ICCL. A invasão da Ucrânia no início deste ano levantou preocupações sobre o papel da publicidade online para expor dados sensíveis de utilizadores na Ucrânia a empresas e organizações hostis na Rússia.

O relatório da ICCL não revela a fonte dos dados, mas a equipa diz que falou com várias figuras- chave da indústria de publicidade. Segundo os números do Conselho, em 2022, a Microsoft e a Google são as maiores empresas envolvidas no processo de RTB. A Google lidera: só nos EUA, a empresa envia dados dos utilizadores a cerca de 4698 empresas para vender publicidade. ​A Microsoft começou a investir mais no sistema em Dezembro de 2021 ao comprar a empresa de publicidade online Xandr.

Contactada pelo PÚBLICO, a Google sublinha que não partilha “informação de identificação pessoal” e também não exibe anúncios “com base em informações sensíveis, como saúde, raça ou religião”. A empresa diz que exige que os sites provem que têm o consentimento das pessoas antes de exibir qualquer anúncio personalizado. “Fazemos isso há muitos anos”, lê-se na resposta do porta-voz da Google. A empresa destaca, no entanto, que está a trabalhar em novas soluções de publicidade que se focam mais na privacidade.

O PÚBLICO também contactou a Microsoft para mais informação, mas não obteve resposta até à hora de publicação deste artigo. Outras empresas neste mercado são a OpenX, PubMatic e BidSwitch.

O ICCL alerta que quem acede à Internet dos EUA está mais exposto. Os utilizadores dos EUA têm a sua actividade e localização exposta 57% mais frequentemente do que utilizadores na Europa. É provável que isto se deva a diferenças na política de privacidade.

Desde Maio de 2019 que a Comissão de Protecção de Dados da Irlanda (DPC, na sigla inglesa), o principal regulador da União Europeia na área, está a investigar o sistema de publicidade da Google.

Editado: Acrescentada resposta da Google.

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