Portugal reciclou 16,1% em 2020 e está ainda mais longe da meta europeia
País registou taxa de reciclagem de resíduos urbanos de 16,1% em 2020, menos cinco pontos percentuais do que em 2019. Ambientalistas consideram resultados um “falhanço”, sobretudo tendo em vista que a meta de Bruxelas para 2025 é de 55%.
Portugal reciclou em 2020 ainda menos do que ano anterior, expondo assim um “falhanço” resultante de anos consecutivos de “políticas erradas”, acusa a associação ambientalista Zero num comunicado divulgado esta terça-feira, Dia Internacional da Reciclagem. No ano em que a pandemia teve início, o país registou uma taxa de reciclagem de resíduos urbanos de 16,1%, ao passo que em 2019 havia apresentado um desempenho de 21%. Esta queda de cinco pontos percentuais torna-se ainda mais “preocupante” se considerarmos que a meta comunitária almejada para 2025 é de 55%.
“Nós estamos a milhas de distância das metas que vêm aí. Até podemos recuperar alguma coisa em 2022, mas não há sinais de que vamos fazer grandes mudanças. Há muitos anos falamos da importância de adoptarmos sistemas mais eficientes como a recolha selectiva de lixo porta a porta [incluindo resíduos biológicos] e de oferecemos incentivos aos consumidores que reciclam, por exemplo. Os anos passam e nada avança porque não há vontade política”, afirma ao PÚBLICO o ambientalista Rui Berkemeier.
Especialistas da Zero analisaram os dados de 2020 – o ano mais recente para o qual há “maior número de dados actualizados” – e concluíram que houve um descalabro nas metas de reciclagem que se sonhava atingir não só para os resíduos urbanos, mas também para outros fluxos (lixo eléctrico e electrónico, pilhas e embalagens de pesticidas). Os números consultados para esta análise são os que foram divulgados no Plano Estratégico para os Resíduos Urbanos (PERSU 2030).
Rui Berkemeier dá como exemplo o “colapso” da actual gestão de resíduos de equipamentos eléctricos e electrónicos. De todos os computadores, electrodomésticos e outros produtos congéneres descartados pelos portugueses há dois anos, só 15% foram recebidos pelas entidades responsáveis pela recolha e reciclagem. Contudo, sublinha a Zero, as licenças emitidas pelo Estado a tais gestoras obrigavam-nas a receber pelo menos 65%.
“Quando equipamentos eléctricos ou electrónicos são colocados no mercado, prevê-se o pagamento de cerca de 50 euros por tonelada à gestão dos resíduos. Por cada tonelada não cumprida de recolha, a Electrão é penalizada através da Taxa de Gestão de Resíduos. E qual é a taxa por incumprimento da gestão de resíduos? Não chega a sete euros [por tonelada]. Então, acaba por compensar porque a taxa é ridiculamente baixa e convida as entidades gestoras ao imobilismo”, explica Rui Berkemeier.
Os maus resultados, segundo o ambientalista, devem-se ao facto de o sistema de gestão deste tipo de lixo estar “subfinanciado” pelos fabricantes deste tipo de bens de consumo. O défice anual, segundo a Zero, é de mais de 50 milhões de euros. “Este dinheiro que falta ao financiamento do sistema de gestão foi poupado a todas as grandes empresas que colocaram estes produtos no mercado. Todos os anos alertamos os decisores para isso. É uma situação que já deveria estar resolvida, mas Portugal tem fechado os olhos e a União Europeia, por sua vez, tem sido complacente. Criam-se metas e leis que não são cumpridas e depois não há penalização”, reclama Rui Berkemeier.
O sector responsável pelo comércio e distribuição de electrodomésticos e produtos electrónicos não está isento de críticas. Isto porque tem obrigação de recolher o equipamento velho quando vende novos e, segundo a Zero, isto não tem sido cumprido à risca. O resultado é o “desvio de frigoríficos para destinos ilegais”, como os sucateiros.
“As lojas não estão a devolver os electrodomésticos velhos ao sistema depois de entregar os modelos novos na casa dos clientes. Os motores têm cobre, por exemplo, e por isso têm valor económico. Mas depois o resto do aparelho vai aparecer no dia seguinte ao lado de um contentor ou [num terreno abandonado] a libertar contaminantes para os solos”, explica o ambientalista, que refere ainda a falta de fiscalização por parte das autoridades ambientais.
Sistema de depósito e retorno
Uma das soluções propostas pela Zero para melhorar os resultados nacionais é a criação de um sistema de depósito e retorno. O método permitiria fazer subir os níveis de recolha não só de electrodomésticos e produtos electrónicos, mas também de pilhas e embalagens de pesticidas. A ideia é oferecer ao consumidor a possibilidade de reaver o dinheiro do depósito mediante a entrega, por exemplo, de uma calculadora velha, uma garrafa quase vazia de herbicida ou baterias de relógio. “É uma ferramenta crucial para motivar os cidadãos a participar na reciclagem. Os consumidores precisam de incentivos”, refere Rui Berkemeier.
Um sistema semelhante já foi aprovado pela Assembleia da República para as embalagens de bebida em plástico, metal e vidro. “A legislação já está em vigor desde 1 de Janeiro de 2022, mas ainda nem sequer foi lançado o concurso”, queixa-se o ambientalista, que acredita que esta “falta de vontade política” explica em grande parte por que razão Portugal tem tão maus resultados no capítulo dos resíduos.
Apenas 48,4% dos resíduos de embalagens de pesticidas foram recolhidos pela entidade responsável (a meta era de 55%). Isto significa que mais de metade destes invólucros, que contêm substâncias que podem representar um risco para a saúde humana e ambiental, não foram recuperados nem tratados. Nas contas da Zero, trata-se de cerca de 483 toneladas de resíduos potencialmente perigosos cujo paradeiro é desconhecido. Acresce, segundo a associação, o facto de a entidade gestora ter acumulado, a partir de Janeiro de 2022, a responsabilidade de gerir a recolha de biocidas. Estes produtos considerados tóxicos são usados para proteger madeiras e controlar a proliferação de animais indesejados.
Outra solução defendida há muito pela associação é alargar, ao país inteiro, a recolha selectiva de resíduos urbanos porta a porta. Este sistema é considerado mais eficaz porque não sobrecarrega o cidadão, permitindo que o processo de separação seja mais confortável e conveniente. Até porque o PERSU 2030 prevê a aposta na recolha de resíduos biológicos, um tipo de lixo que é mais difícil de acumular e transportar em países mais quentes como Portugal. Podem provocar maus cheiros, atrair pequenos animais ou libertarem líquidos desagradáveis resultantes da condensação. Recolhas porta a porta regulares, combinadas com apoio à compostagem para quem assim o desejar, podem motivar a participação da população e melhorar os resultados nacionais. A análise da Zero revela que existe hoje uma “quase inexistência de recolha selectiva de resíduos orgânicos”, verificando-se a recolha de apenas 6% (cerca de 128 mil toneladas).
“É muito mais fácil [para os decisores] colocar ecopontos na rua e mandarem as pessoas usarem-nos do que colocar a funcionar um sistema porta a porta. Porque assim têm menos chatices, não têm de articular com as autarquias. Mas quem sai a perder é o ambiente”, conclui o ambientalista da Zero.