O mercado de trabalho desconhece a eficiência de uma pessoa com deficiência motora

Nos processos de recrutamento cheguei a ser questionado se por questões de imagem a utilização da canadiana seria algo momentâneo ou definitivo, e ouvi as desculpas mais incríveis para camuflar a falta de desejo e vontade em dar-me uma oportunidade.

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Jon Tyson/Unsplash

Quando terminei a minha licenciatura, em 2009, nunca imaginei que a entrada no mercado de trabalho fosse uma tarefa extremamente hercúlea. Na altura, ainda aparentava ter alguma saúde e não imaginava que anos mais tarde teria uma incapacidade de 85% que me obrigaria a trabalhar a partir de casa. O cenário em causa desencadeava em mim um certo desnorteio dado que o meu perfil é de alguém sociável e extrovertido. No entanto, os anos de autoconhecimento aos quais fui submetido antes de entrar no mercado de trabalho tornaram-me numa pessoa extremamente forte a nível psicológico. Eu sentia que a tempestade já tinha passado e que estava na altura de colocar em prática o lema “Aceitar, Adaptar e Avançar”.

O pontapé de saída no mercado de trabalho foi dado em Novembro de 2009, numa empresa de telecomunicações. Não me esqueço que, após o término da entrevista, fui questionado se era uma pessoa que costumava faltar por questões de saúde. Com base nesta questão, e apesar da minha resposta (só faltava ao trabalho se não me conseguisse levantar da cama), pensei que as minhas hipóteses eram perto de nulas. No entanto, tive uma agradável surpresa: fiquei com a posição e tive a oportunidade de conhecer colegas fantásticos e um country manager a que ainda hoje, passados mais de dez anos, agradeço tudo o que fez por mim.

Esse ano de experiência ajudou-me a percorrer os primeiros quilómetros numa realidade completamente ímpar, mas nunca imaginando o que estava para vir. Nessa altura, quando olhava para a vida e fazia dela um videojogo onde as minhas escolhas eram feitas sem qualquer limitação, estava longe de pensar que alguns anos depois elas seriam infinitamente limitadas.

Quando deixei este emprego, posso afirmar que sofri em primeira mão as piores experiências de alguém que possui vontade de trabalhar, mas que face às suas limitações acaba por sofrer. Nessa fase, decidi arriscar em omitir no meu CV a adenda reportando a minha incapacidade física, isto porque pretendia que as pessoas me avaliassem pelas minhas valências e não pelo handicap que possuo.

Durante o período de desemprego fui entrevistado numa esplanada de café, por falta de acessibilidades e de infra-estruturas adaptadas. Muitas vezes, era forçado a visitar no dia anterior a empresa, para averiguar os sistemas de mobilidade do espaço. Fazia este trabalho prévio para não ser apanhado desprevenido no dia da entrevista.

Nos processos de recrutamento cheguei a ser questionado se por questões de imagem a utilização da canadiana seria algo momentâneo ou definitivo, e ouvi as desculpas mais incríveis para camuflar a falta de desejo e vontade em dar-me uma oportunidade.

As “negas” contínuas que fui acumulando estavam a tornar-me ainda mais forte psicologicamente, mesmo que a revolta muitas vezes se apoderava de mim. Não esperava compaixão, empatia ou ser utilizado como uma bandeira direccionada à inclusão no mercado de trabalho. O meu objectivo sempre foi aprender, evoluir enquanto profissional e ser humano e, acima de tudo, acrescentar valor à instituição que me desse a oportunidade.

Passados alguns meses sem trabalho, sou convidado pelo anteriormente mencionado country manager a acompanhá-lo num novo desafio – ao qual respondi afirmativamente. Numa fase inicial desta nova aventura, conseguia deslocar-me até às instalações da empresa, mas sempre com a premonição de que mais tarde ou mais cedo aquela variável seria alterada até porque tanto o estacionamento, como os acessos às instalações, não estariam aptos para uma pessoa incapacitada fisicamente.

Infelizmente, alguns meses depois dei início a uma nova realidade: o teletrabalho. Não sou o maior apologista deste modelo de trabalho para quem está a começar um novo desafio profissional. No meu ponto de vista é um obstáculo à integração, dificulta a compreensão dos processos da empresa e não permite conhecer adequadamente os colegas. Esta falta de entrosamento pode desencadear uma péssima experiência.

Evidentemente que estes entraves podem ser derrubados. Actualmente encontro-me a trabalhar remotamente, mas sinto uma grande sensibilidade, preocupação e disponibilidade dos meus colegas e chefias não só para me apoiar na minha integração, como para me garantirem ferramentas que ajudem no desempenhar da minha função. Ajudou-me à criação do meu novo desafio laboral, a Valor T — uma associação que apoia pessoas com incapacidades a se inserirem no mercado de trabalho.

Escrevi este texto com o intuito de sensibilizar todos os líderes a darem uma oportunidade a pessoas com incapacidades. Sejam capazes de, junto delas, perceberem quais as adversidades e aprendizagens que têm de ser trabalhadas em conjunto. Ao integrarem uma pessoa com este perfil, acreditem que ganham podem ganhar um colaborador fortemente comprometido.

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