A fotografia mais cara da história volta a ser de Man Ray e foi vendida por 12 milhões
Le Violon d’Ingres, em simultâneo o retrato de uma das musas do artista e uma homenagem a um dos seus pintores de eleição, Ingres, ultrapassou amplamente a estimativa mais optimista, que era de sete milhões de euros.
Nela está representada uma mulher cujas costas nuas evocam a forma de um violino. Não lhe vemos nem os braços nem as pernas, e só o perfil denuncia a identidade da modelo, Kiki de Montparnasse, cantora, pintora e amante de Man Ray, o artista a quem devemos Le Violon d’Ingres (1924), uma das mais celebradas fotografias do século XX.
Uma cópia vintage desta obra que associamos de imediato ao seu autor e ao movimento surrealista, de que é uma das principais referências, foi vendida este sábado num leilão em Nova Iorque por 12,4 milhões de dólares (12 milhões de euros, verba que já inclui as taxas que a transacção envolve), ultrapassando largamente a estimativa mais optimista, que se ficava pelos sete milhões.
Le Violon d’Ingres (impressão em gelatina de prata com 48.5 x 37.5 cm) era um dos lotes que mais expectativas tinham gerado em torno do leilão da prestigiada Christie’s e integrava a colecção de arte surrealista de Rosalind Gersten e Melvin Jacobs.
De acordo com a revista de arte norte-americana Art News foram precisos dez minutos, que decorreram sob a supervisão atenta do leiloeiro, Adrien Meyer, para que dois especialistas em fotografia da leiloeira, Darius Himes e Elodie Morel, ao telefone com dois licitadores, resolvessem a contenda. Morel e o coleccionador que representava acabaram por levar a melhor, fixando o preço em 10,5 milhões de dólares (10,1 milhões de euros) e arrancando um aplauso à sala.
Este retrato de Kiki de Montparnasse, uma das musas de Man Ray, é aquilo a que no meio especializado se chama uma “cópia fotográfica original”, já que foi feita na mesma altura em que o artista criou o negativo correspondente, o que a torna muito rara e, por isso, particularmente valiosa para qualquer coleccionador ou museu.
Os Jacobs, executivos ligados ao mundo da moda e com amigos no círculo dos surrealistas, de que também faziam parte Marcel Duchamp, René Magritte, Max Ernst e Dorothea Tanning, compraram Le Violon d’Ingres directamente a Man Ray (1890-1976), em 1962, e nunca abdicaram dela. Rosalind sobreviveu ao marido (Melvin morreu em 1993), acabando por morrer em 2019, aos 94 anos. Coube aos herdeiros venderem a colecção do casal.
A oferta em leilão desta obra icónica do artista norte-americano, que nas vésperas da sua ida à praça Darius Himes classificara como “algo sem precedentes no mercado da arte”, estabeleceu um novo recorde para a fotografia e por uma margem ampla. O anterior pertencia a Andreas Gursky, o fotógrafo alemão que em 2011 viu uma das provas da sua The Rhine II (1999) ser vendida por 4,3 milhões de dólares (4 milhões de euros). Gursky quebrou, então, o recorde que anteriormente já pertencia a Man Ray, autor de Noire et Blanche (1926), vendida quatro anos antes por três milhões (2,8 milhões de euros).
“Ao mesmo tempo romântica, misteriosa e travessa, esta imagem capturou a mente de todos durante quase 100 anos”, disse Himes, o especialista da Christie's, citado num comunicado em que, semanas antes, a prestigiada leiloeira divulgava e promovia a venda do retrato singular de Kiki de Montparnasse.
Com cópias nas colecções do Centro Pompidou, em Paris, um dos museus de arte moderna e contemporânea mais importantes do mundo, e no Museu J. Paul Getty, em Los Angeles, Le Violon d’Ingres é uma obra construída por etapas: o artista terá fotografado a modelo, imprimindo em seguida o negativo que daí resultou e, sobre a prova a que deu origem, desenhou as aberturas típicas do violino, a lápis e nanquim, um tipo de tinta. Só depois voltou a pegar na câmara fotográfica para registar o resultado, o que deu origem a um novo negativo e às provas que levariam o título da que foi agora vendida em leilão.
Le Violon d’Ingres é, segundo alguns historiadores de arte, uma homenagem de Man Ray a um dos seus pintores de eleição, o francês Jean-Auguste Dominique Ingres, que gostava de tocar violino nas horas vagas. A pose da modelo, ressalvam, faz também lembrar a das mulheres que aparecem em duas célebres pinturas de Ingres: Le Bain Turc (a que está ao centro de turbante, tocando um instrumento de cordas) e La baigneuse.