A memória dos moinhos: na Holanda com Ramalho Ortigão
“Zaandam é a metrópole dos moinhos. Há-os por toda a Holanda, mas em nenhuma outra parte reunidos em tão grande quantidade como aqui. Abrangem-se cerca de mil numa só vista de olhos…” Assim registava Ramalho Ortigão, com maravilhamento, as suas impressões de viagem pela região do Zaan, um dos pólos de peregrinação dos neerlandeses no Dia Nacional dos Moinhos, celebrado anualmente no segundo fim-de-semana de Maio.
O livro A Holanda, publicado em 1883 na sequência de um período em que o jornalista e escritor português viveu nos Países Baixos, é bem mais do que um livro de viagens. Não se resiste a citar Camilo Pessanha quando convidado um dia a escrever o prefácio de uma colecção de notas sobre a China: “Não se limitou o ilustre autor a apontar na sua carteira as observações de cada dia sobre a vida chinesa e a reuni-las sob um superficial memorandum de touriste”. A pena de Ramalho Ortigão lavrou naqueles apontamentos um ensaio perspicaz sobre a cultura neerlandesa, atentíssimo aos mais “insignificantes” pormenores da vida social, dos hábitos, das rotinas, dos cenários rurais e urbanos, bem como ao significado e efeito seminal dos lances históricos que edificaram o país de Rembrandt e de Van Gogh. A admiração pela terra e pela capacidade criadora dos neerlandeses transparece com abundância na prosa de A Holanda, mesmo se aqui e ali, quando se lhe deparam certos aspectos “pavorosos”, Ramalho Ortigão desenrola com acidez a veia crítica que se lhe conhece. Mas a dimensão dos píncaros a que eleva a experiência neerlandesa é inequívoca ao citar um provérbio popular naquelas bandas: “Deus fez o mundo e o holandês fez a Holanda.” E acrescentava o autor de As Farpas sobre um país onde, com a ajuda de diques e moinhos, a terra foi sendo conquistada ao mar: “Todos os demais povos modernos da Europa tomaram de anteriores ocupantes o território que possuem. A Holanda criou o solo que tem. E com o solo criou o clima.”
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