Os microplásticos são uma ameaça invisível, mas “estão em todo o lado”
Estes plásticos de pequeníssimas dimensões existem por dois motivos: ou são fabricados de propósito para produtos de higiene e cosmética ou resultam da fragmentação de outros plásticos maiores. No laboratório do projecto Size Matters, na Universidade do Algarve, encontram-nos em quase todas as amostras.
Quase todos os dias chegam amostras de areia, sal ou água ao laboratório da equipa liderada pelo investigador José Paulo da Silva, do Centro de Ciências do Mar (CCMar) da Universidade do Algarve. Estas amostras são analisadas em busca de umas partículas pequenas e quase invisíveis: os microplásticos. Têm pequenas dimensões (menos de cinco milímetros e mais de um milésimo de milímetro) e “estão em todo o lado”, diz-nos o investigador. Conta que os encontra em quase todas as amostras que analisa, incluindo em organismos marinhos.
Estes plásticos “não se vêem, mas estão lá e provocam o seu efeito”, sumariza José da Paulo Silva, que coordena este projecto chamado Size Matters – Looking for Invisible Plastics e é também responsável pelo Laboratório de Química Estrutural do CCMar.
Todos os anos são fabricados milhões e milhões de toneladas de plástico por todo o mundo. A quantidade é explicada pelas muitas vantagens: “São baratos, são flexíveis, são maleáveis e duram muito tempo, que é uma grande vantagem do ponto de vista da utilização. Mas depois, do ponto de vista ambiental, não é isso que acontece”, diz o coordenador deste projecto. Segundo a Comissão Europeia, estes microplásticos são “omnipresentes” e estão a tornar-se “os contaminantes de maior disseminação e persistência no ambiente”.
Quanto aos perigos que estes compostos representam para a saúde humana, ainda há muitas incertezas e não se sabe ao certo se são perigosos ou não. Quando se fala de nanoplásticos (partículas ainda mais pequenas, com menos de um micrómetro), o caso muda de figura. “Esses é que potencialmente são mais perigosos”, diz José Paulo da Silva. Podem atravessar a membrana celular e causar alterações nas células. “Há indicadores fortes de que podem ter efeitos bastante negativos na saúde humana.” Também há microplásticos e produtos tóxicos usados para os tratar e moldar que afectam o sistema endócrino, que regula as hormonas, e outros que causam reacções alérgicas. E sabe-se que os microplásticos se vão decompondo em pedaços cada vez mais pequenos, originando estes nanoplásticos.
Em relação às notícias que revelam que foram encontrados microplásticos na corrente sanguínea humana e nos pulmões humanos, José Paulo da Silva não se mostra surpreendido. “Os microplásticos são utilizados em materiais da higiene pessoal, até nas pastas de dentes. É natural que eles acabem por ser encontrados em praticamente todo o lado, dos pulmões até à corrente sanguínea”, como foi noticiado recentemente, admite. Também já foram detectados microplásticos nas fezes e na placenta humana. “Não me surpreende absolutamente nada.”
O projecto tem a duração de três anos. Começou pouco antes da pandemia, em Setembro de 2019, e terminará em Setembro deste ano. É financiado pelo Fundo Azul, gerido pela Direcção-Geral de Política do Mar, e tem também uma parceria com a empresa Necton, que se dedica à produção de sal e microalgas. As duas entidades tentam perceber em conjunto quais as fases de produção em que há maior probabilidade de existir contaminação por microplásticos. Os resultados ainda não são conhecidos, mas o objectivo é impedir a acumulação de microplásticos no sal.
Os métodos que permitem detectar microplásticos em quase todo o tipo de amostras podem ser úteis para empresas, mas também para outros centros de investigação e universidades, refere José Paulo da Silva.
Que técnicas são utilizadas?
Estes microplásticos não são simples de analisar: “Não existem métodos normalizados para o fazer e, pior do que isso, não existe um único método que possa ser utilizado para todos os materiais.” É por isso que a equipa da Universidade do Algarve procura “métodos analíticos para quantificar e detectar microplásticos”. Toda esta tarefa torna-se mais complicada porque é preciso conseguir apontar a mira só às partículas de plástico. É um trajecto com muitos percalços. “Os microplásticos são conjuntos muito grandes de moléculas agarradas umas às outras, então os métodos convencionais da química que normalmente estão dirigidos às moléculas também não funcionam.”
As amostras são então analisadas com microscópios, que permitem ver grandes conjuntos de partículas. “Mas depois necessitamos de uma outra técnica que permita dizer ‘aquela partícula que estou a ver é um microplástico'”, sintetiza José Paulo da Silva. Essa técnica chama-se “microscopia de infravermelho” (que combina o microscópio óptico com um espectrómetro de infravermelhos) e é a que mais utilizam em laboratório. Permite tirar uma espécie de “impressão digital” do microplástico, comparando-o com uma base de dados que permite identificar qual o microplástico encontrado. Aqueles que aparecem mais têm sido os mais vulgares: o polietileno, o polipropileno, o polistireno e o PVC.
Ainda assim, esta técnica tem limitações porque só permite identificar partículas até cerca de dez micrómetros de tamanho (um micrómetro corresponde à milésima parte de um milímetro). Se os plásticos forem inferiores a esse valor, é preciso mudar de técnica. “O tamanho das partículas é um factor decisivo na escolha da técnica”, explica o investigador. Aquecem-se as partículas a cerca de 500 graus Celsius e elas degradam-se e produzem compostos gasosos, que permitem saber que microplástico lhes deu origem.
O facto de se encontrarem microplásticos em quase todo o lado, incluindo no ar e nas roupas, faz com que sejam precisos cuidados adicionais quando se analisa uma amostra. “Os cuidados que nós temos de ter quando fazemos a preparação de um filtro para análise…”, suspira José Paulo da Silva. É preciso que o ambiente esteja “completamente sem partículas”, caso contrário a amostra pode ficar contaminada com fibras e outras partículas. Todas estas técnicas são muito morosas e fazem com que se passem horas a analisar uma única amostra.
É ainda usado um terceiro método menos detalhado de florescência que permite que as moléculas fluorescentes que migram para o plástico o façam “brilhar”. Não permite identificar os microplásticos, mas sim perceber se existem na amostra ou não. Há substâncias hidrofóbicas, como o pireno, que não gostam de estar no ambiente e “tentam fugir para dentro dos microplásticos”.
Este é precisamente um dos “fenómenos indesejáveis” destes plásticos: funcionam como uma espoja e absorvem os poluentes. “Os poluentes apolares migram para os microplásticos e os microplásticos espalham os poluentes por todo o lado. São autênticos depósitos pequeninos, de tamanho micro, de contaminantes hidrofóbicos”, refere o investigador. É mais uma das razões para que se continue a estudar a presença de microplásticos e o impacto que podem ter no ambiente e na saúde humana.