Julião Sarmento: um sismógrafo livre, generoso, talvez melancólico, da arte e da cultura
Uma das maiores antológicas dedicada à obra de Julião Sarmento, Abstracto, Branco, Tóxico e Volátil, não é um retrospectiva, mas uma “retroperspectiva”. Ou dito de outro modo: um momento que nos permite ver, no seu desconcertante labirinto, diferentes recortes de um sismógrafo livre, generoso, talvez melancólico, da arte e da cultura. Um artista. No Museu Berardo, até ao final do ano.
Em 2016, numa entrevista a Sara Antónia Matos e a Pedro Faro, Julião Sarmento (1948-2021) lamentava o facto de não haver curadores interessados em explorar, na sua obra, o cinema ou a arquitectura, temas que considerava pouco ou nada trabalhados quando comparados com o (aborrecido) desejo. Talvez ainda tenhamos que esperar algum tempo até ao aparecimento de exposições semelhantes. Entretanto, decorridos mais de 11 anos, Julião Sarmento já fez uma exposição. Que ele próprio desenhou e que, entretanto, já não pode ver. Mas que nos dá a ver, numa sequência labiríntica, não linear, desconcertante. E na qual se constroem vários retratos ou silhuetas — se se pode usar este termo — do artista. Vários Sarmento num só? Porque não? Uns mais familiares, outros enigmáticos ou, até, inesperados. Nunca o vemos, contudo, senão nas 120 obras de Abstracto, Branco, Tóxico e Volátil. É este o título da exposição que inaugurou no Museu Berardo, uma “retroperspectiva” como fez questão de sublinhar a curadora francesa Catherine David, e não uma retrospectiva. Não é despiciendo esta observação. A responsável pela Documenta de Kassel de 1997 lembrou, numa visita prévia à exposição, o modo como as obras, vindas de tempos diferentes, se confrontavam entre si, sugerindo acordos secretos. Tal só foi possível porque, precisamente, apareciam em relações originais, desse modo espoletando ideias e perspectivas diferentes sobre a obra.
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