Coreia do Norte admite primeiros casos de covid-19 e entra em confinamento
Depois de mais de dois anos a negar a existência do vírus no país e a recusar vacinas, regime de Kim Jong-un anuncia surto em Pyongyang. Situação pode ser mais grave do que aparenta.
As autoridades da Coreia do Norte anunciaram um surto de casos de covid-19 em Pyongyang e ordenaram um “rigoroso confinamento” em todo o país. É a primeira vez, em mais de dois anos, que o regime de Kim Jong-un admite a existência do coronavírus no território.
Segundo a narrativa oficial até esta quinta-feira – e apesar das muitas dúvidas sobre a sua veracidade, tendo em conta que a China e a Coreia do Sul, seus vizinhos, tiveram enormes e sucessivos surtos da doença – a Coreia do Norte tinha “travado a invasão do vírus maligno”.
Num país de difícil acesso e em que a informação é totalmente controlada pelo Estado, a revelação de que afinal existem casos de covid-19 pode significar que a situação epidemiológica é bastante mais grave do que aparenta ou que está mesmo descontrolada.
“O mais grave caso de emergência de Estado ocorreu: houve uma ruptura na nossa frente de emergência de prevenção de epidemias, onde defendemos firmemente, durante dois anos e três meses, desde Fevereiro de 2020”, noticiou a agência estatal KCNA, citada pela Reuters.
De acordo com a KCNA, que deu conta da realização, nesta quinta-feira, de uma reunião extraordinária do Partido dos Trabalhadores, onde se discutiu a resposta ao surto na capital, as autoridades sanitárias do país vão estar a operar em “emergência máxima” e “todas as cidades e concelhos” vão “encerrar totalmente os seus territórios”
A agência noticiosa norte-coreana informou que no dia 8 de Maio foram recolhidas amostras, em Pyongyang, de pessoas que apresentavam sintomas de febre. Os resultados laboratoriais revelaram a existência da subvariante BA.2 da Ómicron. O número de casos ou a origem do surto não foram, ainda assim, detalhados.
De acordo com a Organização Mundial de Saúde, a Coreia do Norte realizou, em 2020, 13.259 testes à covid-19, e todos eles deram resultado negativo.
Apesar de ter sempre negado, até agora, que o vírus SARS-COV-2 entrou no país, e de ter, inclusivamente, rejeitado doações de vacinas chinesas – por causa dos requisitos de transparência implícitos à sua distribuição –, a Coreia do Norte tomou várias medidas ao longo dos últimos dois anos que sugerem que nunca foi um país livre de covid-19.
As fronteiras foram encerradas, o uso de máscara protectora foi tornado obrigatório em espaços públicos, foram proibidos ajuntamentos e as escolas chegaram a estar fechadas. Para além disso, uma “situação de emergência máxima” em Kaesong, junto à fronteira com a Coreia do Sul, em Julho do ano passado, motivada por um caso suspeito de infecção, levou ao confinamento da cidade durante três semanas e a uma operação de “abastecimento extraordinário de comida e de fundos” à sua população.
Se se confirmar que o país asiático está a braços com uma propagação em larga escala e acelerada do vírus, os analistas temem o pior.
“Dada a circunstância de a vacinação ser muito reduzida e de a capacidade de testagem e de a infra-estrutura de saúde pública serem fracas, em comparação com a China – para além da falta de unidades de cuidados intensivos –, existe potencial para imensas mortes”, alerta Lim Eul-chul, professor de Estudos Norte-Coreanos da Universidade de Kyungnam, na Coreia do Sul.
Em declarações à Reuters, o académico admite que se as autoridades não conseguirem conter as infecções, pode dar-se uma “crise sem precedentes para o regime de Kim Jong-un”.
Isto porque, com ou sem vírus, a situação financeira e alimentar na Coreia do Norte já é gravíssima, ao ponto de o próprio Kim ter feito mea culpa pelo insucesso das políticas económicas do Governo e de ter comparado a actual conjuntura com a terrível fome vivida no país na década de 1990, que matou entre centenas de milhares e três milhões de pessoas – dependendo de que faz a contagem.
Para além dos desafios da resposta à pandemia e à crise económica – agravados pelas sanções internacionais impostas ao regime por causa do seu programa nuclear – a Coreia do Norte foi duramente afectada nos últimos anos por tufões e por longos períodos de seca, que limitaram, em grande medida, a sua capacidade produtiva.
No início de Janeiro, no discurso que marcou o décimo aniversário da sua chegada ao poder, Kim Jong-un assumiu que o país enfrenta, em 2022, uma “grande luta de vida ou de morte”.
Ainda assim, a Coreia do Norte continua a fazer testes com mísseis balísticos e, de acordo com as informações recolhidas pelos serviços militares e de informação da Coreia do Sul e dos Estados Unidos, está mesmo a preparar-se para realizar nos próximos dias ou semanas um ensaio nuclear.