O nuclear como energia verde
A União Europeia decidiu, no final de dezembro, adotar uma nova taxonomia, que identifica a energia nuclear e o gás natural, sob certas condições relacionadas com a transição energética, como “energia sustentável”.
Toda uma geração de ecologistas e de movimentos “verdes” revoltaram-se com tal designação, que criou divisões no seio destas organizações, incluindo partidos progressistas europeus, cuja política tem como base a ciência.
A luta antinuclear dos anos 70 – génese de alguns destes movimentos – não aceitou o argumento de que os avanços tecnológicos nesta área alteram substancialmente os riscos associados à energia nuclear. Aliás, uma grande parte da sociedade europeia ainda não aceita a energia nuclear como uma energia verde.
O conflito na Ucrânia, a dependência em termos de gás natural da Rússia e a rápida inflação que se aproxima permitiu avançar neste debate. Assistimos à inversão de algumas posições, como foi o caso do Partido dos Verdes na Finlândia. Este partido defende agora que devemos utilizar todas as tecnologias sustentáveis para nos vermos livres dos combustíveis fósseis.
Outra questão que tem a atravessado o debate prende-se com os resíduos nucleares que, alguns ambientalistas alegam, vão poluir a Europa durante séculos. Hoje, a evidência científica demonstra que a quantidade de resíduos é muito pequena, especialmente quando comparamos com a enorme quantidade de energia neutra, em termos de CO2, que uma central nuclear produz. Além disso, ao contrário dos gases com efeito de estufa emitidos por uma fábrica de carvão ou de gás, podemos armazenar estes resíduos em segurança.
Nos últimos meses, o nuclear tornou-se uma parte central na estratégia de descarbonização do mundo. O nuclear faz parte dos planos de descarbonização lançados pelos Estados Unidos, Reino Unido e China. A China está a planear 150 novos reatores para os próximos 15 anos e, parece provável, que esta energia desempenhe um papel ainda maior nos países mais pobres, que querem manter indústria pesada.
A Alemanha está longe de partilhar este ponto de vista. A chanceler conservadora Angela Merkel decidiu abandonar a energia nuclear após o acidente de Fukushima. O país encerrou três novas centrais nucleares a 31 de dezembro. No final de 2022, os últimos três reatores na Alemanha serão encerrados. Em França, por outro lado, pela primeira vez em décadas, o Presidente Emmanuel Macron anunciou que irá relançar a construção de reatores nucleares. Serão mais reatores do que o mundo inteiro construiu desde 1986. Um investimento que vai beneficiar dos subsídios da nova taxonomia energética europeia.
Entretanto, o primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, diz que o Reino Unido vai construir uma nova central nuclear por ano.
Alguns europeus defendem que a primeira e principal prioridade é atingir a neutralidade carbónica até 2035. No entanto, este objetivo, como já admitiram as Nações Unidas e a própria União Europeia, será muito difícil de alcançar. A integração da energia nuclear, dentro do leque das opções energéticas, leva-nos até lá mais depressa. Acrescenta-se que, se o próximo objetivo é tornar a Europa “CO2 negativa”, então, sem a opção do nuclear, esse objetivo nunca poderá ser alcançado.
Ainda hoje, as centrais nucleares produzem em todo o mundo mais energia sem carbono do que o vento e a energia solar combinados. Se estes números são animadores, há algo que poderia fazer recuar esta opção: um acidente. Os desastres em Tchernobyl e Fukushima dissuadiram governos, empresas de serviços públicos e investidores de abraçar a tecnologia. Depois de Fukushima, o Japão encerrou os seus 50 reatores nucleares, uma eliminação progressiva que, só recentemente, começou a ser invertida. A Alemanha, por sua vez, adotou planos para retirar as centrais nucleares de carbono zero anos antes de encerrar as centrais a carvão.
Entretanto, os cientistas europeus alegam ter feito um grande avanço na sua busca para desenvolver a fusão nuclear prática – o processo energético que alimenta as estrelas.
Se a fusão nuclear puder ser recriada com sucesso na Terra, ela tem o potencial de fornecer energia praticamente ilimitada com baixo teor de carbono e baixa radiação. O funcionamento das centrais do futuro com base na fusão não produziria gases com efeito de estufa e apenas quantidades muito pequenas de resíduos radioativos de curta duração.
Há uma enorme incerteza sobre quando é que a energia de fusão estará pronta para comercialização. Uma estimativa sugere talvez 20 anos. Nessa altura a fusão precisaria de ser produzida em massa, o que significaria um atraso de mais algumas décadas. Na realidade estamos a falar de uma solução para a segunda metade do século, mas será que nessa altura alguns ambientalistas também vão por em dúvida a evidência cientifica? Esperemos que nessa altura as novas gerações europeias já não se lembrem da luta dos seus avós.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico