John Kerry avisa que uma guerra longa na Ucrânia prejudica os esforços de luta contra as alterações climáticas
Se estivesse a ser negociado nas actuais circunstâncias geopolíticas, o Pacto Climático de Glasgow “enfrentaria alguns obstáculos importantes”, reconhece o enviado para o clima do Presidente dos EUA.
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Quanto mais durar a guerra na Ucrânia, piores serão as negociações para o clima e para os esforços para conter as emissões de dióxido de carbono que causam as alterações climáticas, reconheceu John Kerry, o enviado presidencial dos Estados Unidos para o Clima, em declarações ao jornal britânico The Guardian.
“Depende do que acontecer na guerra, como vai correr e quanto vai durar. Se durar durante um período muito longo, é óbvio que torna muito”, disse John Kerry. “O esforço para nos mantermos abaixo de um aumento de 1,5 graus Celsius encontrou uma barreira inesperada, a guerra, e deparou-se com uma infeliz e perigosa ressurgência da atitude ‘business as usual’ de alguns parceiros, que põe em causa a aceleração que é necessária para que isto aconteça. Vai depender de nós repelir esta atitude e fazer avançar o processo”, afirmou Kerry ao jornal britânico.
As perturbações causadas pela guerra na Ucrânia estão a forçar vários países a reconsiderar a sua dependência dos combustíveis fósseis, procurando alternativas ao gás natural russo. Os Estados Unidos prometeram aumentar a sua produção de gás natural, para ajudar as nações aliadas a substituírem o combustível russo, embora isso tenha um impacto sobre o cumprimento dos objectivos de limitação de emissões de dióxido de carbono (CO2). Kerry destacou que o gás natural produzido nos EUA gera menos emissões do que o da Rússia, porque é extraído de forma mais eficiente, e que pode ser uma solução a curto prazo, enquanto os países aumentam as energias renováveis.
“O gás natural sempre fez parte da transição de combustíveis mais sujos para uma nova economia energética”, disse John Kerry. “Mas não queremos construir grandes novas infra-estruturas de gás natural que podem vir a ser abandonadas daqui a alguns anos, ou não têm tecnologias para capturar e armazenar carbono”, salientou. “Temos de tomar decisões agora.”
Essencialmente, quanto mais tempo durar a guerra, mais difícil se torna cumprir as metas do Acordo de Paris, que pressupunham que a temperatura média do planeta não subisse mais do que 1,5 graus até ao final do século, em relação à era pré-industrial. “Muitos cientistas acreditam que já estamos à beira de chegar aos 1,5 graus. Tudo o que não seja uma aceleração [dos esforços de redução de emissões] é um obstáculo”, reconheceu Kerry.
O Pacto Climático alcançado na cimeira de Glasgow em Novembro de 2021 (COP26) reconhece a importância da ciência, da natureza, dos povos indígenas, de aumentar o financiamento para a acção climática, com particular incidência para a adaptação, e de acelerar as metas de cortes de emissões dos países, previstas nas suas contribuições nacionais voluntárias (NDC) e que deverão ser, na generalidade, revistas em 2022. E também inclui um parágrafo que sustenta a necessidade de acabar com os combustíveis fósseis, no qual se reconhece que “limitar o aquecimento global a 1,5 graus requer reduções rápidas, profundas e sustentadas nas emissões globais de gases com efeito de estufa, incluindo uma redução de 45% das emissões de dióxido de carbono até 2030, comparando com os níveis de 2010, e da neutralidade carbónica até meio do século, bem como reduções profundas noutros gases com efeito de estufa.” Houve uma alteração de última hora para que o parágrafo sobre o carvão fosse alterado, passando-se do fim do seu uso para a “diminuição” do seu uso.
Se estivesse a ser negociado nas actuais circunstâncias geopolíticas, o Pacto Climático de Glasgow “enfrentaria alguns obstáculos importantes”, reconheceu John Kerry. Mas o enviado para o clima dos EUA não perdeu a esperança de que se possam realizar as suas promessas. “Não eram para ser cumpridas em seis meses, um ano ou dois. São promessas para 2030. Um soluço de alguns meses pode não ser nada de inultrapassável”, salientou.
Faltam seis meses para a próxima cimeira do clima, a COP27, no Egipto. Há algumas perspectivas de sucesso? John Kerry disse ao Guardian que o foco deve estar nos países do G20 – as 20 maiores economias mundiais – que são responsáveis por 80% das emissões globais de gases com efeito de estufa e cujos planos para as reduzir apresentados na COP26 se mostraram insuficientes para cumprir a meta de limitar o aquecimento a 1,5 graus. Pediram-lhes que apresentassem planos com cortes mais radicais – mas é provável que muitos países não cumpram essas metas, e um deles é a Rússia, que o maior produtor de combustíveis fósseis do G20.
“A guerra não é a única coisa que está a impedir a aceleração dos cortes de emissões – existe uma indiferença lamentável em alguns sectores, desinformação pura e dura noutros, e pessoas que simplesmente estão confortáveis com o status quo. Este é talvez o nosso maior problema.”
Mas há indícios de que alguns dos grandes países emissores, como a China e a Índia, estejam a iniciar um processo de mudança. A Índia, que está agora a sofrer uma devastadora onda de calor, está a planear uma grande expansão das energias renováveis, por exemplo, que pode contribuir para o objectivo global de manter o aquecimento do planeta dentro do limite de 1,5 graus Celsius.