Mulheres afegãs protestam em Cabul contra o uso da burqa
ONU diz que “não vai fechar os olhos” perante a ordem do executivo afegão de obrigar as mulheres a cobrir-se da cabeça aos pés para sair à rua. Líderes religiosos muçulmanos próximos dos taliban recomendam a abertura da secundárias às raparigas.
Uma dezena de mulheres da organização do Movimento de Mulheres Poderosas desafiaram esta terça-feira as ordens do Governo afegão, protestando contra a obrigação de sair à rua com a burqa a tapar o rosto e o corpo e que se não têm nada de importante a fazerem no exterior devem ficar em casa.
“Justiça, justiça!” gritaram as manifestantes sem burqa, mostrando-se contrárias ao novo decreto emitido no fim-de-semana pelo Supremo Líder afegão e chefe dos taliban, Hibatullah Akhundzada, a dizer às mulheres para se cobrirem da cabeça aos pés com a burqa quando estivessem no exterior.
O protesto durou pouco tempo, tendo as mulheres sido impedidas de prosseguir a manifestação por guardas taliban que também tentaram impedir os jornalistas de cobrir a situação, referiu a UCA News.
As Nações Unidas garantiram na segunda-feira que “não vão fechar os olhos” perante esta nova decisão restritiva da vida das mulheres afegãs, que prevê castigos para quem não cumprir a recomendação do uso da burqa no exterior.
“Não vamos fechar os olhos perante isto. A missão da ONU, a UNAMA, solicitou reuniões com as autoridades de facto e estão a tratar de aclarar esta situação”, afirmou Farhan Haq, porta-voz adjunto do secretário-geral da ONU, António Guterres.
A directora executiva da ONU Mulheres, Sima Bahous, mostrou-se “profundamente preocupada” pela ordem dos taliban, lamentando ainda, segundo a Europa Press, que as autoridades afegãs tenham recomendado às mulheres só sair de casa “em caso de necessidade”, ameaçando os parentes masculinos se a ordem for desobedecida.
Sima Bahous lembrou que a liberdade de movimentos “é um direito humano fundamental”.
“Os taliban comprometeram-se a cumprir com as obrigações básicas e a preservar o tipo de direitos que [as mulheres] tinham quando tomaram o poder. Se não o estão a fazer, avaliaremos o que fazer em consequência”, disse Haq, quando interpelado por um jornalista sobre o facto de as Nações Unidas ainda não terem agido em relação às decisões tomadas pelas autoridades afegãs em relação às mulheres.
No fim-de-semana, a UNAMA assegurou que a decisão “contradiz numerosas garantias sobre o respeito e a protecção dos direitos humanos de todos os afegãos, incluindo das mulheres e das meninas, durante as conversações e negociações com os representantes dos taliban”.
A ONU lembrou que “decisões como esta”, ou aquela que foi adoptada há seis semanas de adiar a educação secundária para as raparigas afegãs, “poderiam provocar mais tensão no compromisso com a comunidade internacional”.
Educação secundária
Curiosamente, em relação à reabertura das escolas secundárias às raparigas, há novos desenvolvimentos que poderão inverter a decisão dos taliban sobre a educação das afegãs acima de 11 anos que há nove meses, desde que os taliban reconquistaram o poder, estão sem aulas.
“Líderes religiosos estão a surgir em público e a emitir declarações dizendo que a educação das raparigas é um direito”, refere Ibraheem Bahiss, analista do International Crisis Group, citado pela rádio pública norte-americana NPR. “Estão a tentar convencer os mais duros que se trata de uma decisão prejudicial” para os interesses dos taliban.
Não se trata da defesa de uma educação progressista, mas um ensino restrito em escolas segregadas e no sentido de as transformar em melhores mães. Com a obrigatoriedade do uso do hijab a tapar o rosto e sob forte vigilância de professores idóneos na sua moral e garantes de que o comportamento das raparigas é adequado.
É aliás o que tem acontecido na província de Balkh, no Norte do Afeganistão, de acordo com a Human Rights Watch, uma das poucas províncias onde as escolas secundárias se mantiveram abertas para as raparigas, especialmente por pressão dos pais e dos líderes locais.
Segundo a NPR, entre os apoiantes da ideia de reabrir as escolas secundárias às raparigas estão o vice-líder taliban, Sirajuddin Haqqani, o ministro da Educação Superior, Abdul Baqi Haqqani, e o co-fundador do grupo fundamentalista religioso Abdul Ghani Baradar.
Entre os apoiantes está também Jalillullah Akhundzada, director do seminário Dar al-Uloom em Herat, a cidade, situada no Oeste do país que emitiu em Março uma fatwa (decisão religiosa), apoiando a educação das raparigas.