Colisões de grandes navios com tubarões-baleia deixam esta espécie ainda mais em risco

O transporte marítimo pode estar a ser responsável pela “mortalidade escondida” dos maiores peixes que existem: o tubarão-baleia. Esta espécie passa grande parte do seu tempo à superfície e junto a zonas costeiras, o que faz com que grande parte das suas rotas coincidam com as dos navios.

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Os tubarões-baleia movem-se lentamente, por isso reduzir a velocidade dos navios em zonas com grande concentração de tubarões pode ser uma das soluções Simon Pierce

A colisão de grandes navios com tubarões-baleia pode ser uma das razões para que esta espécie esteja em perigo. É o que defende um grupo de cientistas – em que se incluem alguns portugueses – que acompanhou o percurso de quase 350 tubarões-baleia de 2005 a 2019, nos oceanos Atlântico, Pacífico e Índico. Num estudo publicado esta segunda-feira na revista científica Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS), mostra-se que muitos animais se afundavam no oceano depois de se cruzarem com as rotas de grandes navios.

Os tubarões-baleia (Rhincodon typus) são a maior espécie de tubarões – e o maior peixe que existe –, e estão ameaçados. Existem por todo o mundo (em Portugal continental não é muito comum), mas passam grande parte do seu tempo em águas superficiais e mais próximas de actividade humana. Os cientistas já desconfiavam de que a colisão com navios poderia ser uma das razões para a morte destes gigantes do mar, mas não havia forma de o comprovar ou monitorizar.

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Estes "gigantes gentis", como são muitas vezes apelidados, são praticamente inofensivos: comem plâncton, pequenos peixes e camarão Simon Pierce

Foi então que um grupo de investigadores de mais de 50 organizações e universidades se juntou para tentar traçar um padrão entre as rotas dos tubarões-baleia e de navios por todo o mundo, para encontrar as zonas de maior risco. A investigação foi coordenada pela Universidade de Southampton (Reino Unido) e pela também britânica Associação de Biologia Marinha (MBA, na sigla em inglês).

Foi usada informação de 348 tubarões, vigiados a partir de dados recolhidos por satélites. Existem métodos diferentes para aplicar estes transmissores nos animais, mas normalmente “os investigadores mergulham e o transmissor é colocado debaixo de água”, explica o biólogo Nuno Queiroz, do Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos (Cibio-InBio)​ e que é um dos autores do estudo.

Sabia que...

… os tubarões existem há mais tempo do que as árvores e dinossauros? Os tubarões existem há mais de 450 milhões de anos e as árvores “só” há 350 milhões de anos; já os primeiros dinossauros deverão ter surgido há 230 milhões de anos. Além disso, os tubarões sobreviveram também a (pelo menos) quatro eventos de extinção em massa. Agora, estão ameaçados pelas alterações climáticas e pela acção humana.

Descobriu-se então que os pontos críticos coincidiam com o percurso de grandes frotas de mercadoria, petroleiros, navios de pesca e de transporte de passageiros, veículos capazes de atingir e causar a morte destes tubarões-baleia, que medem cerca de 12 metros de comprimento (o tamanho de um autocarro). Estes tubarões podem mesmo chegar aos 20 metros de comprimento e são animais que se movem lentamente. Segundo o grupo de investigadores, mais de 90% das rotas dos tubarões-baleia coincidiam com rotas de transporte marítimo.

Havia ainda muitos tubarões que perdiam o sinal de transmissão perto de zonas onde se fazia transporte marítimo, o que levou os cientistas a suspeitar de que tal se devia a acidentes. Os aparelhos de medição permitem registar a localização dos tubarões, e alguns deles permitem ainda medir a profundidade a que se encontram. Quando se cruzavam com a rota de um navio, os sinais mostravam que havia tubarões a afundarem-se centenas de metros.

“O que nós vimos é que, mesmo removendo erros técnicos, a maioria parou de funcionar precisamente nos sítios onde há mais tráfego marítimo, sobretudo daqueles navios enormes”, refere Nuno Queiroz. Analisados os dados, os investigadores notaram que, nesses locais, “realmente via-se o corpo do animal a afundar-se, a afundar-se, sem voltar novamente à superfície”.

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Um tubarão-baleia ferido perto do México Simon Pierce

As falhas de transmissão não são bom augúrio. “É a prova de uma batida letal com um navio”, afirmou o investigador britânico David Sims, da Universidade de Southampton e da Associação de Biologia Marinha, que também faz parte do estudo. “É triste pensar que tantas mortes destes animais incríveis aconteceram a nível mundial por causa de navios sem que nós soubéssemos e pudéssemos tomar medidas de prevenção.”

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David Robinson

Como evitar estas colisões?

O comércio global depende do transporte marítimo e, só nos últimos 25 anos, o número de grandes navios passou de 1771 para mais de 94 mil. O tráfego marinho tem vindo a aumentar de ano para ano, mas as colisões com animais marinhos muitas vezes não são detectadas ou reportadas, razão pela qual podem ser inferiores ao que acontece na realidade. “Se forem barcos costeiros, normalmente há dados. Nestes navios enormes, é impossível. Ninguém num navio sente que bateu em alguma coisa”, explica Nuno Queiroz.

“A indústria de transporte marítimo, que nos permite ter acesso a um conjunto de produtos que usamos no dia-a-dia por todo o mundo, pode estar a levar ao decréscimo dos tubarões-baleia, que são uma espécie tremendamente importante nos nossos oceanos”, afirmou em comunicado a investigadora Freya Womersley, da Universidade de Southampton e da Associação de Biologia Marinha, principal coordenadora do estudo. Estes tubarões alimentam-se de pequenos animais e de zooplâncton, ajudando a regular os níveis de plâncton no oceano. No fundo, ajudam no equilíbrio da cadeia alimentar e “são indicadores da saúde de um sistema marinho saudável”, refere Nuno Queiroz.

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Têm uma boca que mede mais de um metro Simon Pierce

A investigadora britânica, que passou os primeiros meses de 2020 em Portugal a analisar estes dados, refere que é preciso proteger esta espécie do comércio marítimo “antes que seja demasiado tarde” – até porque as alterações climáticas e a pesca intensiva já fragilizam o estado de conservação destes animais. Além disso, não existe legislação internacional que proteja esta espécie de tubarões de colisões com navios. Se não forem tomadas medidas, os tubarões-baleia enfrentarão “um futuro incerto”.

Uma das possibilidades é apostar num sistema de monitorização destes animais ou reduzir a velocidade dos navios nestas zonas. Os tubarões-baleia “andam devagar, estão na vida deles” – e se os barcos andarem mais devagar, talvez estes animais “tivesse tempo de responder à aproximação”, explica Nuno Queiroz. Estas medidas tornam-se ainda mais cruciais tendo em conta que os tubarões-baleia “estão sujeitos a outras ameaças relacionadas com a actividade humana”, refere Freya Womersley.

Os tubarões e as raias estão a desaparecer a um “ritmo alarmante”, já tinha alertado um outro grupo de cientistas em 2021. Cerca de 75% das espécies de tubarões encontram-se ameaçadas de extinção e desapareceram 71% de tubarões em meio século, sobretudo devido à pesca intensiva, revelava o estudo de 2021, publicado na Nature. No estudo agora publicado, deixa-se o aviso: o que está a acontecer com os tubarões-baleia pode estar a acontecer com outros animais de grande porte.