O último adeus a Titina (1947-2022), a “menina de oiro do Mindelo” que cantou B.Léza
Nascida na cidade cabo-verdiana do Mindelo, morreu sexta-feira em Setúbal, onde vivia há muitos anos, uma das grandes vozes da música de Cabo Verde, Titina. Tinha 75 anos.
Foi conhecida como “menina de oiro do Mindelo”, devido ao encanto que a sua voz transmitia nos primeiros anos, quando se estreou no Eden Park do Mindelo. Tinha apenas 12 anos e nesse dia cantou mornas e um tema da cantora e actriz brasileira Ângela Maria. Foi assim que Titina deu os primeiros passos numa carreira que, apesar dos hiatos, viria a acompanhá-la até ao final.
Nascida Albertina Alice dos Santos Rodrigues Oliveira de Almeida em 1947 no Mindelo, na ilha de São Vicente, as suas primeiras gravações foram nos estúdios da Rádio Barlavento. Segundo o texto biográfico publicado no Cabo Verde & A Música - Museu Virtual, de Gláucia Nogueira, a primeira gravação de Titina terá sido a coladeira Estanhadinha, de Frank Cavaquim, num disco que, apesar de se intitular Mornas de Cabo Verde, só trazia coladeiras, cantadas por ela e por Djosinha, outro nome célebre da música cabo-verdiana. Lançado em 1960, a esse disco sucederam outros quatro, de 45 rotações, três com o conjunto de Marino Silva (1960, 1963 e 1966) e um com o grupo Voz de Cabo Verde e arranjos de Paulino Vieira (1979).
Nesse espaço de tempo, deu-se a sua ida a Portugal. Adriano Moreira, então ministro de Salazar e entusiasta da música cabo-verdiana, ouvia-a a cantar no Mindelo e sugeriu a criação de um grupo que pudesse actuar em Portugal, mostrando ao vivo a música que ali se fazia. Titina integrou esse grupo, mas no regresso não voltou com os restantes músicos. Iria a Cabo Verde mais tarde, mas para voltar de vez a Portugal (segundo o Museu Virtual, casou-se com um português que vivia no Mindelo, o que viria a influenciar a sua mudança de residência).
É, pois, já em Portugal que Titina lança em 1988 o primeiro LP, Titina Canta B.Léza, de novo com Paulino Vieira e também Armando Tito, Toy Vieira e Luís Morais, entre outros. Este disco, que tinha mornas como Terra longe, Bejo de sodade e Noite de Mindelo ou coladeiras como Galo bedjo, foi reeditado em 1993 e 2013. Vinte anos depois, gravou aquele que viria a ser o seu derradeiro álbum, Cruel Destino (2008), com produção e arranjos de Humberto Ramos. A par disso, participou ainda em vários discos colectivos ou compilações, dos anos 60 ao novo século.
O lançamento de Cruel Destino foi acompanhado por um concerto no Teatro da Trindade, na noite de 21 de Maio de 2008. Nessa altura, a cantora declarou à agência Lusa: “Estive estagnada comodamente, tinha também a minha vida de família, mas reconheço que com a minha idade continuo com boa voz e como foram reunidas as condições necessárias, decidi gravar”, disse. O título do álbum, diria ainda, “explica um pouco esta situação, mas também uma certa revolta.” No disco, registou dez mornas no estilo tradicional, “sem outras misturas ou contaminações”. Além de B.Léza (ali presente com Alô alô São Vicente, Separação e Oriuntina) Titina gravou temas de Ti Goy, Djack do Carmo, Lela de Maninha, Manuel d’Novas ou Faria Júnior.
Condecorada em 2006 pelo Governo de Cabo Verde, pela sua contribuição para a cultura do país, Titina foi ainda homenageada num concerto em Lisboa onde se celebraram os seus 50 anos de carreira. Foi no Teatro Tivoli, na noite de 29 de Novembro de 2011, com direcção musical e artística de Humberto Ramos (o mesmo que produzira o seu último álbum) e o concerto contou com a participação de nomes como Bana, Tito Paris, Dany Silva, Zezé Barbosa, Leonel Almeida, Ana Firmino, Juary Livramento, Coimbra, Joceline Medina, Alexandre Delgado e Luís Fortes. Além da homenageada, que ali voltou a cantar as canções do seu Cruel Destino. E um ano depois, em 2012, participou numa homenagem a Ildo Lobo (1953-2004), no Teatro São Luiz, em Lisboa, onde interpretou Mar piscina di nhas lágrimas, do grupo de Ildo, Os Tubarões.
A morte de Titina, na sexta-feira, aos 75 anos, anunciada com “profunda tristeza” pela Associação Caboverdeana de Lisboa (ACV), suscitou várias reacções de pesar. O ministro da Cultura e das Indústrias Criativas de Cabo Verde, Abraão Vicente, citado pela agência Lusa, lamentou a morte da cantora: “Muito mais do que uma personagem da morna, Titina Rodrigues era a cara da cultura cabo-verdiana, e uma das caras da identidade crioula como diáspora.” Já o Presidente cabo-verdiano, José Maria Neves sublinhou a “elegância e timbre inconfundíveis” de Titina, dizendo que, para o futuro, “fica a obra magistral de uma grande cantora.”
Por seu turno, a Sociedade Cabo-verdiana de Música (SCM) recordou a “grande e potente voz” de Titina, afirmando que ela deu um “contributo fundamental” para a divulgação da morna (que é hoje património imaterial da humanidade), “elevando a música tradicional cabo-verdiana a outro patamar.” No seu comunicado, citado pela Lusa, diz ainda a SCM: “É com imensas saudades que a família musical cabo-verdiana, residente no país e na diáspora, hoje se despede, com o coração partido e os olhos cheios de lágrimas, da grande e potente Voz, da senhora da morna.”