Igualdade de género: mais do que uma moda, um sinal de inteligência
Garantir diversidade, equidade e inclusão nas organizações é essencial para assegurar mais criatividade e melhor performance. Como tal, a Merck foi analisar a realidade portuguesa e agora convida outras empresas a defender – e a pôr em prática – a igualdade de género.
Mais do que falar na necessidade de mudar, importa mudar. Esta foi uma das ideias que dominou o debate sobre diversidade, equidade e inclusão, promovido pela Merck e pelo Público, no dia 21 de Abril, e no qual ficou bem clara a importância de se introduzirem mudanças com vista a eliminar desigualdades nas organizações, nomeadamente em termos de género.
Este é precisamente um caminho que tem vindo a ser trilhado pela Merck, ao ponto de ter estabelecido a representação paritária entre homens e mulheres como prioridade interna. Os resultados já se fazem sentir e, como Pedro Moura, Managing Director da Merck Portugal, sublinhou durante o debate, 43% da força de trabalho da empresa a nível global é constituída por mulheres, assim como 35% dos cargos de liderança. No nosso país, os números são ainda mais animadores, e cerca de 64% da força de trabalho é feminina e 50% dos cargos de liderança são ocupados por mulheres.
Mas a verdade é que esta é uma realidade que está longe de ser a norma em Portugal – o que foi constatado através de dados de um estudo apresentado durante o encontro – o que motiva a Merck a lançar agora um apelo a outras empresas para que se juntem a si no propósito de fomentar esta discussão sobre equidade e inclusão de mais mulheres nas forças de trabalho e cargos de liderança.
ClosinGap: uma iniciativa transformadora
Ao definir a diversidade e a equidade como uma das prioridades internas, várias têm sido as iniciativas levadas a cabo pela Merck no sentido de o concretizar. Um dos exemplos mais consistentes chega-nos da vizinha Espanha, que através do projecto ClosinGap chamou grupos económicos para se juntarem a esta demanda, a qual já começou a dar frutos, como explicou Marieta Jiménez, Senior Vice President Europe da Merck. Criado em Setembro de 2018, o projecto é actualmente formado por 12 empresas (que somam cerca de um milhão de colaboradores em todo o mundo), com vista a “promover a transformação social em direcção a uma economia com maior igualdade de género a partir da colaboração público-privada”, esclareceu a responsável pela criação do projecto na altura em que ocupava o cargo de directora-geral da Merck Espanha.
“Quanto nos está a custar, como sociedade, o facto de não estarmos a ser capazes de aproveitar todo o talento, tanto dos homens como das mulheres?” Esta foi a simples pergunta que, segundo Marieta Jiménez, terá desencadeado a necessidade de medirem as consequências da desigualdade de género nas organizações. “Se fôssemos capazes de medir o impacto que a diferença entre a representação de mulheres e de homens em todos os sectores estava a gerar na economia, isso poderia funcionar como chamada de atenção para que, no final, tanto as empresas como a sociedade civil pudessem implementar medidas e iniciativas para colmatar essa desigualdade”, justificou.
Os resultados não se fizeram esperar e prova disso mesmo é o facto de Espanha ocupar actualmente o 14.º lugar no Global Gender Gap Index (índice publicado pelo Fórum Económico Mundial que mede a igualdade de género), o que contrasta com o 27.º lugar que ocupava na altura em que o ClosinGap foi lançado. “Se queremos mudar as coisas, as coisas mudam-se fazendo. E o ClosinGap é um exemplo claro, de referência nacional e internacional, de como, quando se quer e pode, as coisas se transformam. Porque se queremos uma sociedade melhor para os nossos filhos, para todos os jovens, o ClosinGap é uma ferramenta que nos pode ajudar, sem dúvida, a chegar a ela”, rematou a responsável.
Não é trendy, é bom senso
Pedro Moura começou por estabelecer a distinção entre diversidade, equidade e inclusão, sublinhando que esta última acontece quando a diversidade é levada para dentro das empresas, porque esta é a única atitude que faz sentido. “Quando nós dizemos que é importante para as organizações tomarem a opção de incluir com paridade os dois géneros, não é porque isto é trendy, mas porque, de facto, como os dados que a Marieta acabou de apresentar o demonstram inequivocamente, é apenas falta de bom senso não o fazer, porque a inclusão de paridade de género dentro das organizações reflecte-se em indicadores de performance positivos”, afirmou. Nas suas palavras, “há questões culturais” que justificam a perpetuação da desigualdade, mas “o que nós sabemos é que, se não criarmos mais condições para que mais mulheres acedam, nomeadamente, a cargos de liderança nas organizações, isto vai ter um reflexo negativo em indicadores económicos e financeiros para as organizações”. Portanto, fazer diferente “não é moda, mas ser inteligente na alocação dos nossos esforços”, reforçou.
Sabendo que muito há ainda por fazer neste campo, e inspirada no projecto ClosinGap, a Merck Portugal associou-se à AESE Business School para “fomentar esta discussão sobre equidade e inclusão de mais mulheres nas forças de trabalho e cargos de liderança” no nosso país, referiu o director-geral, esclarecendo que a iniciativa estará aberta a todas as áreas relevantes e não apenas à área da saúde, onde a Merck actua.
Quando haverá igualdade em Portugal?
Para perceber o que falta concretizar em Portugal no que diz respeito à igualdade de género, importa saber em que ponto estamos e esses dados foram também revelados durante o encontro por Rui Costa, director técnico da Spirituc, empresa de estudos de mercado. A pedido da Merck, o exercício levado a cabo passou não só por traçar um retrato das evoluções registadas em Portugal, no decorrer da última década, num conjunto de indicadores-chave (desde a educação ao emprego, passando pela saúde, entre outros), como também por estimar quando é que o ponto de igualdade poderá ser alcançado. E as notícias não são muito animadoras. Se, por um lado, é certo que muito já se alcançou – por exemplo, registou-se um crescimento de 122% na presença de mulheres nos governos nacionais, e isto sem contar ainda com o mais recente Governo eleito – também é verdade que há assimetrias que perduram e, ao que tudo indica, vão demorar a dissolver-se, como é o caso das desigualdades salariais. Com efeito, em 2020, o Índice de Desigualdade de Género (IDG) no que diz respeito ao salário médio mensal, situava-se em 17,1 pontos, sendo expectável que, em 2029, decresça para 11,8 e apenas “em 2052, se todas as condições da última década se mantiverem de forma similar, se conseguirá alcançar a igualdade salarial nos mesmos cargos entre homens e mulheres”, revelou Rui Costa. De salientar que “o IDG é mais elevado nas categorias profissionais mais qualificadas, em particular junto de quadros superiores”, o que também revela aspectos gritantes onde é necessária intervenção com vista a garantir igualdade.
Outra dimensão em que a mudança tem sido positiva prende-se com a partilha da licença de parentalidade, já que ao longo da última década se registou um crescimento de 85,4%. Em 2029, é expectável que 73,5% dos homens partilhem já esta licença com as mulheres e 2037 é o ano em que se espera atingir a igualdade neste indicador. Já quanto à taxa de desemprego, o cenário é bem diferente, verificando-se mesmo um “crescimento das desigualdades entre sexos”, frisou Rui Costa, tendo o IDG passado de -1,5 pontos (em desfavor da mulher) para -9,5 pontos.
Desigualdade logo à nascença
Já na fase de debate, Pedro Moura respondeu a um comentário que se ouve habitualmente, quando o tema se prende com a discriminação positiva das mulheres, e que aponta para a eventualidade de se estar “a distorcer algo que deveria acontecer naturalmente”. Mas, segundo o responsável da Merck Portugal, “isto parte da premissa errada de que homens e mulheres têm exactamente o mesmo nível de oportunidades”. Todavia, como frisou, “os dados mostram-no exaustivamente, homens e mulheres não têm o mesmo nível de oportunidades; se três em cada quatro cuidadores são mulheres, obviamente que ficam limitadas as possibilidades de acesso das mulheres”. Na sua perspectiva, “o acesso a áreas como engenharia ou robótica está enviesado com muitos mais homens que mulheres, porque o preconceito começa logo em tenra idade e somos nós que começamos logo a condicionar”, nomeadamente, através dos brinquedos oferecidos. Como tal, este “é um caminho que temos de fazer na educação dos cidadãos”, incluindo “os pais, que não podem dar bonecas às meninas e legos aos meninos”, sustentou. “Tem de começar nas empresas, discriminando positivamente e dando acesso a mais mulheres e em igualdade de circunstâncias, fazer uma escolha activa por mulheres em vez de homens, porque ao excluirmos mulheres estamos a excluir talento”, disse, acrescentando que também a nível legislativo e no regulamento dos concursos públicos, seria importante “dar mais acesso a empresas que tenham estas políticas activas em curso”.
A igualdade como “arma de negócio”
Também presente no debate, Sandra Ribeiro, presidente da Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género, corroborou que a desigualdade entre homens e mulheres começa logo na infância ou até antes, na gravidez, considerando que “ainda nos falta um bocadinho de ousadia”. “Tem de se conseguir passar mais a mensagem de que diversidade é também uma arma de negócio”, afirmou, explicitando que “diversidade é convidar pessoas diferentes para a festa e inclusão é convidá-las para dançar na festa e não as deixar sentadas na mesa a olhar”. “Isto faz toda a diferença”, comentou, lembrando que “os programas de recursos humanos [nas grandes multinacionais] estão neste momento extremamente focados na diversidade, porque já compreenderam que isso lhes traz uma vantagem económica, uma vantagem negocial”.
Para Alexandra Reis, professora da AESE Business School, combater a desigualdade “é uma responsabilidade de todos, das empresas, dos pais enquanto educadores, e naturalmente do sector público”, reforçando que “seguir esta via é sinal de inteligência. A anterior vogal e membro do conselho de administração e comissão executiva da TAP corroborou que a assimetria de géneros começa a observar-se logo nos primeiros anos de vida, e recordou mesmo que “há estudos que indicam que educamos as meninas para o sucesso, para serem boas alunas, não as educamos para o risco. Os rapazes educamos mais para o risco, para desportos físicos, estão mais treinados para falhar”. Como consequência disto, “numa empresa, uma mulher para se candidatar a uma nova função, na sua cabeça tem de corresponder a 100% dos requisitos; um homem [corresponde] a 50 ou 60% e candidata-se”. Por outro lado, observou que “as chefias ainda são muito masculinas”, logo, “há enviesamentos informais, inconscientes”, pois “acabamos por recrutar com quem nos identificamos mais”.
Uma das empresas nacionais que, desde há dois anos, tem implementada uma estratégia de diversidade e inclusão é a Sonae MC. Segundo Catarina Fernandes, Area Leader of Learning, Development & Inclusion da Sonae MC, em 2020, a prioridade foi combater as desigualdades de género, tendo sido assumido publicamente o objectivo de ter “40% de mulheres em cargos de liderança até 2023”, o que está a ser cumprido “não só ao nível de promoções internas, mas também ao nível de recrutamento”. “É com muita satisfação que vemos que estamos quase lá”, afirmou a responsável, terminando o debate a expressar o desejo de que as mudanças necessárias na sociedade aconteçam de forma mais rápida, um pouco à semelhança do que está a ser levado a cabo na empresa onde trabalha.